CARTA PARA UMA AMIZADE: OS DIAS NUBLADOS ME LEMBRAM VOCÊ

By Tiago Ferreira - 25.10.18

Eu nunca procurei o amor em nenhuma de suas dezenas de formas. Jamais considerei ser amado por alguém ou simplesmente amar. Sei que isso não é uma novidade para todos que já me ouviram falar sobre o assunto ou já leram algumas das coisas que escrevi nesse aspecto, mas, talvez somente agora, eu tenha aceitado esse meu jeito de ser. Nunca cheguei até a raiz do problema, porém sei que não nasci para ser simplesmente amado. Como explicar uma coisa dessas, não? Nesse tempo em que nos conhecemos me deparei com tanta gente que supostamente me amava, tantas foram as declarações de amor, tantos foram os gestos regidos pelo o amor e tantos foram os momentos em que o amor esteve lá. Nunca duvidei que todas essas pessoas possam ter me amado, mas o amor e o fim podem realmente estar do mesmo lado? Descobri que sim. É simples agora, mas doeu até chegar aqui.

Nós sempre tivemos diferenças bem notáveis. Éramos um verdadeiro casal (casal de amigos) de contrastes e foram exatamente essas discrepâncias que nortearam o desenvolver da nossa amizade. Sempre considerei que o estopim do nosso relacionamento foi a vontade de saber, de conhecer, de entender. Tanto que para chegarmos até aqui tivemos um bom caminho de conhecimento. Você na verdade sempre foi mais perspicaz que eu. Foi, em suma, sua coragem e seu interesse que me aproximaram de você. É bem óbvio que a imagem do menino depressivo, resmungão, briguento, pirracento e rancoroso ainda ecoam pelo decorrer da linha do tempo da nossa amizade. Nunca havia encontrado alguém capaz de me suportar sem ganhar nada em troca, tanto que algumas pessoas partiram por se cansarem da tentativa de me compreender e/ou aceitar. Você foi a pessoa idiota que mais me amou até aqui, acredita? Mesmo possuindo diversas dificuldades para enxergar e aceitar o amor, reconheço seus esforços para me fazer sentir amado. Sabe como eu conclui isso? Você é natural. Mesmo que o mundo estivesse caindo e tudo que eu acreditasse desaparecesse, jamais perderia a certeza de que você estaria chegando para me socorrer. Viu como é natural? O seu amar me salvou de mim, dos outros, das situações, dos perigos e sempre esteve disposto a me ver renascer.

Talvez eu não devesse escrever isso agora, mas é impossível ficar em paz imaginando que não valorizei em diversos momentos a sensação verdadeira de amar que me fora entregue pela minha(meu) amiga(o). Obviamente que não me arrependo jamais de tudo que faço e falo porque acredito que todos os nossos sentimentos devem ser vividos em momentos e em eternidades, mas eu preciso dizer o que tenho a sensação de nunca ter dito. São bem nítidas as vezes que te odiei, te machuquei, te abandonei ou qualquer outra ação negativa que tenha te afastado de mim em algum momento, mas, se já fui tão ruim com você, por qual razão você não pegou suas coisas e foi embora? Por qual razão eu não deixei de falar com você e também peguei minhas coisas e fui embora? Tenho uma resposta que faz sentido para mim, talvez porque eu seja um projeto de poeta e blá, blá, blá... Você já acompanhou as vezes que morri e voltei a viver, e nossa amizade viveu exatamente assim: morria para voltar a viver. Ao decorrer dos anos eu fui muitos e tive dificuldade de assimilar dezenas de coisas, e sei que nesses períodos no qual estive perdido deixei de notar as mudanças que nasciam e cresciam em você. Durante muito tempo as coisas foram somente sobre mim, já reparou? Tive a impressão de que eu deveria ter feito mais como amigo e ter me colocado mais em segundo plano para conseguir sentir e acreditar em tudo que me era entregue. Não me tiro a culpa por diversas coisas, mas, você bem sabe, que alguns fatores que fugiam do meu controle me influenciavam de forma negativa. Coloquei nossa amizade em cheque diversas vezes e sempre tentava sabotar nossa relação por algumas questões que só existiam na minha cabeça. Me recordo de todas as vezes que fui amigo e das outras diversas que fui inimigo. É exatamente por esse motivo que digo que nossa amizade precisou morrer em dezenas de situações para renascer depois. O morrer que cito não é algo negativo. É algo ligado a se reinventar mediante ao perigo em potencial e o reviver está ligado ao fato de não existirem melindres depois que as sujeiras eram descartadas.

O amor e o fim caminham completamente juntos. Em maio desse ano eu decidi que seria o meu fim para você. Por que eu decidi isso? Porque eu não conseguia ser filho, neto, irmão, primo, pai de seis cachorros, fumante, psicologicamente abalado, com depressão, mal compreendido, com medo do mundo, com problemas de autocontrole, escritor, com inúmeros problemas religiosos e - acima de tudo - seu amigo. Não estou dizendo que nossa amizade era um peso ou qualquer coisa do tipo. Estou dizendo que preferi guardar a nossa amizade para que ela não continuasse sendo machucada pelos pesos do meu mundo. Decidi que era hora de assumir as minhas responsabilidades. Ninguém nunca foi obrigado a acreditar nos meus problemas e que - de vez em quando - o diabo me visitava e fazia terror por aqui. Minha cara era dada a tapa. Era a mim que as pessoas viam e culpavam. Era exatamente a mim que pertencia a culpa. Eu fui retomar o controle. Fui me buscar no ponto em que tinha me perdido e fui tentar viver novamente. Nesse momento a morte não possuía um sentido tão bonito quanto ao que atribuí ao nosso relacionamento. Tive que morrer em espirito, tive que matar convicções, tive que matar certezas e tive que matar sonhos. Eu sei que durante um bom tempo foi tudo sobre mim, mas, acredite por favor, dentro de mim eu queria apenas ser alguém além dos meus problemas. Eu descobri que queria amar e ser amado. Eu descobri que existem muitas interpretações de fim e inúmeras possibilidades de recomeço.

A razão do título ser "Os Dias Nublados Me Lembram Você" é que estou escrevendo num belo dia nublado. É final de inverno e já faz alguns meses que não conversamos, nem fizemos torta e nem bolo no friozinho desse ano. O frio era uma coisa que amávamos juntos. Nunca curti o frio com mais ninguém. Você foi a minha única companhia de frio.

Espero que esteja verdadeiramente bem,
Longe de mim sei que ficará,
Do seu amigo?,
Artur Cacossi.

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