MESTIÇO, MULATO, PARDO OU NEGRO?

By Tiago Ferreira - 15.1.19

Fotografia por Olívia Vieira para o Limoções 2019.

Em 23 de outubro de 2017 era publicado aqui no Limoções o texto “Quando Decidi Ser Negro” de minha autoria. Naquele texto conto um pouco da minha história como pessoa e como aconteceu a minha descoberta como uma pessoa negra. É importante recordarmos um trecho daquele post:

“Eu só fui me identificar como negro aos 19 anos de idade. Antes disso, mesmo vivendo entre negros, eu não queria e nem imaginava ser um. Eu cresci entre baianos - e minha avó materna era pretinha -, mas eu não tive contato profundo com as origens do meu povo, com histórias dos meus ancestrais e muito menos se falava em ser negro. Todos eles, inclusive minha própria mãe, vieram da Bahia mas simplesmente viviam como se aquilo não passasse de uma mentira. O contato mais próximo que tive com as minhas raízes, antes dos 19, foi na culinária. Minha avó e minhas tias não conseguiam ignorar quem eram e de onde vinham quando se tratava de cozinhar. Minha mãe não gosta de mencionar que é baiana e diz - sem pestanejar - que não tem vontade alguma de voltar a sua terra natal. Ela justifica que a razão para tal desprendimento foram as dificuldades enfrentadas por eles na época - dificuldades que fizeram com que todos migrassem para outro estado. Cresci sendo filho de uma negra com um branco, vivendo entre negros, comendo como branco e completamente sem qualquer conhecimento sobre a cultura da minha gente.”


Esse parágrafo explicita em detalhes como aconteceu a minha formação, como era o meu contato com a minha cor, como era a minha criação mediante o ser negro e um ponto muito importante: sou filho de um pai branco. O fato de eu ser um negro filho de um branco levantou uma discussão acalorada por esses dias em minha vida. Sempre considerei ser negro algo além da cor da minha pele, algo além dos meus traços físicos e algo além do que simplesmente esperam de mim como negro - é, percebi que as pessoas projetam expectativas sobre quem se afirma negro. 

A questão colocada para debate foi a tonalidade da minha negritude. Se sou uma mistura entre branco e negro, eu não deveria me sentir mestiço? E a pergunta é definitivamente relevante para auxiliar algumas pessoas a compreenderem alguns aspectos importantes da formação de um ser humano, de um negro.

Como alguém que não se considerava negro, passei longos anos da minha vida sofrendo discriminação sem perceber. Eu lutava para pertencer a um lugar que não era o meu. Meus olhos permaneciam fechados para todos os tratamentos diferenciados que eu e meus primos recebíamos no mercado, por exemplo. Hoje é possível perceber algumas coisas com mais clareza e é mais possível ainda saber que estou no meu devido lugar. Mesmo querendo ser branco, nunca fui tratado como um. Mesmo tendo um pai branco, nunca fui tratado como um. Não sou igual a pessoas brancas. Jamais serei igual a pessoas brancas. Então, qual é o sentido da minha negritude ser questionada? 

Segundo a literatura, pessoas “mestiças” jamais foram equivalentes a pessoas brancas. Tanto que nomes foram criados para designar pessoas que foram frutos de uma relação entre pais de distintas raças. Pardos, mulatos, crioulos e diversas outras são designações criadas para deixar marcado que os “mestiços” eram diferentes dos brancos. Existia uma segregação e uma perca drástica de identidade. Os pardos e mulatos, na maior parte das vezes, nasciam frutos de estupro. Seus pais, brancos senhores, decidiam o futuro daquelas crianças. É sabido que muitos eram vendidos como escravos ou recebiam parte de uma assistência, talvez por compaixão. A literatura conta também que muitas mães negras eram obrigadas a se submeterem a sexo a procura de assegurar sua descendência. “Mestiços” nasciam com o objetivo de se tornarem “filhos da esperança” - carregavam em sua pele, em seu cabelo e em seu traço físico o sacrifício do seu povo, o desespero de sua mãe. 

O que me doeu ao ter a minha negritude questionada foi o fato de conhecer o sentido de algumas designações criadas para especificar os filhos frutos de uma distinta união étnica. Demorei tanto para perceber o peso e a importância da história que deixei de lado em anos de negação, que responder a questão levantada me doeu e me causou uma certa revolta.

Não sou pardo porque visto uma identidade. Não sou mulato porque sou filho do amor. Não sou mestiço porque carrego uma história. A união do meu pai com a minha mãe resultou em mim: uma pessoa negra. Não posso me enquadrar em rótulos que foram criados para afastar as pessoas de sua história. Ter identidade é uma construção política, social, educacional e de escolha. Escolho não ser parte da rotulagem tendenciosa que visa o afastamento do negro de suas reais origens e não permito que me tratem diferente do que sou para que a história do meu povo não acabe em esquecimento. Sou fruto do amor, e isso é algo além da união entre uma preta e um branco. Sou resistência.

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