UM CERTO DESABAFO

By Tiago Ferreira - 15.12.18

Todos estão dizendo que me transformei, mas ninguém parece conseguir encontrar o que mudou. Eles estão certos de que algo anda diferente em mim e tenho me divertido com os olhares de desconfiança. Tudo que parece diferente, na verdade, não passa de uma reciclagem de perspectivas. As pessoas sempre buscam em mim alguma coisa nova para terem sobre o que falar, então tenho dado a elas os motivos de que tanto precisam. Sei que algo de fato anda muito diferente, mas não sei se é algo tão notável como tenho feito todos acreditarem que é.

Me causa certa indignação que a única mudança que todos são capazes de ver é uma série de alterações comportamentais. As críticas e opiniões, certas ou erradas, já não me machucam mais, por isso afirmo mais uma vez que não irei parar de causar desconfiança. Estou me divertindo deixando todos intrigados. Já que ninguém parece capaz de alcançar o que está dentro de mim, as alterações internas que foram acontecendo ao longo da jornada, vou me divertir com as expressões de surpresa. E até mesmo a tentativa frustrada de me convencer de que tudo que é dito para meu bem deveria ser levado a sério por mim, me faz sentir uma alegria imensurável. Os discursos de culpa que permeiam o meu errar agora perdem valor. Acredito que consegui me perdoar. Me dei a chance da verdade. Me dei a real possibilidade de ser perdoado por mim, pelo legitimo portador do meu tentar. Estou perdoado e não quero ter mais qualquer relação com a culpa. Eu não me sentia vivo há tanto tempo que, honestamente, pretendo deixar que todos pensem o que quiserem. Não me importo. Não faço questão. Se só sou lembrado para ser julgado, se só sou questionado por agir diferente e se só sou deixado de lado por não ser viável, fico agradecido de ter a chance de - pelos menos por agora - me senti seguro de mim para olhar para a indiferença e abrir um sorriso verdadeiro.

Estou farto dos mesmos exemplos de vida que tecem uma narrativa de sofrimento e aprendizado para tentar me conduzir a algum caminho já trilhado. Me cansei de sentar para ouvir o que já senti e o que até mesmo vivi ser descrito por quem sequer sabe um terço de tudo que passei. Sempre tive muitos motivos para ser diferente de todos os exemplos de perfeição que se apresentam ao meu caminhar e isso sempre pareceu suficiente para eu tecer minha própria história. Meus dizeres e meus sentires não alcançam aqueles que assistem o meu caminhar e minhas tentativas nunca pareceram existir para aqueles que sempre estiveram prontos para me atirar as pedras. Tenho a impressão de que todos sabem o que é bom para mim, menos eu mesmo. Tenho a leve sensação de que todos viveriam melhor a minha vida do que eu que nasci para vivê-la. Só que também tenho a impressão de que preciso ser eu para ser a vida que me foi entregue. Só preciso viver cada contradição, cada crítica, cada opinião contrária, cada olhar de desconfiança, cada bagunça, cada caos e cada confusão. Já me conformei com o fato de me lembrar da vida como um martírio, e isso definitivamente deixou de ser algo ruim. Então, só preciso ser o que sou e ter a chance de rir de todos os olhares que me alcançam. Não sei ao certo, mas parece que minha vida chama a atenção de quem parece saber viver.

E mesmo que ser eu signifique estar de mãos dadas com os infortúnios do caminhar, com a insensatez causada pelos sentimentos, com a rebeldia enrustida no meu ser e com a minha natureza desaforada que parece sempre estar preparada para me causar problemas, aceito a condição de ser o que sou. Nunca acreditei que seria o que nasci para ser. Jamais nutri qualquer possibilidade de ser aquilo que sonharam para a minha existência. Trilhei um longo caminho para o entendimento de mim - e ainda acredito que não conheço nem metade do que sou - que não me parece justo bagunçar a minha cabeça por ter sido alcançado por olhares de indignação ou desconfiança. Me parece bem justo que eu seja visto como flor e como espinho. Não quero questionar a visão que você tem de mim. Isso é apenas um desabafo. Só que é importante que você saiba que a minha filosofia ainda continua a mesma: "sorria comigo ou chore sem mim".


Esse texto foi publicado originalmente na fase "um anacrônico" em 2/10/14, mas foi reescrito e publicado na fase "Limoções" em 15/12/18.

"Me parece bem justo que eu seja visto como flor e como espinho" - É bem mais do que justo que todos tenham o direito de lembrarem de mim de acordo com cada acontecimento. Só que em 2018 nasceu o Tiago Ferreira e ele não é o que sobrou do pé de laranja lima. O que nasceu em 2018 segue nutrido e forte. O que morreu em 2018 jamais voltará a viver. Me deixe aonde eu deva ficar.

LIMOÇÕES 2018

NOS VEMOS NO LIMOÇÕES 2019,
COM CARINHO,
TIAGO FERREIRA.

  • Compartilhe:

VEJA TAMBÉM ESSES DAQUI

0 comentários