O AMANHECER DOS 23

By Tiago Ferreira - 16.1.19


Aqui acontece mais uma manhã, nenhuma novidade já que o dia sempre começa mais uma vez, e percebo o quanto estou afundado em tarefas que deixei de fazer. Se olhar para a estante verei uma baita lista de leituras que adiei, e nem mesmo as fotografias que capturei escaparam do meu desleixo. Tudo que me era importante parece estar esquecido agora. O dia é novo em teoria, mas a minha desimportancia é a mesma de anteontem.

Não existe mais que meia duzias de palavras ditas pela senhora que sempre impõem as regras, o homem que nem parece se importar sai para o trabalho e a irmã mais velha nem sequer deu sinal de vida. Nada parece realmente novo nessa linda e quente manhã de verão. A cópia do primeiro capítulo do livro finalizado aguarda uma leitura de quem se importa. Diante do espelho percebo um novo fio branco em minha barba e ainda não me conformo com a possibilidade de que a única novidade em meu novo dia é o surgimento de um pelo que marca o envelhecer das minhas características fisiológicas. Esse amanhecer me fez mais velho.

Não sei por onde caminhei no último ano, mas tenho a certeza de que tive a chance de me sentir escritor, pecador, solitário, amigo, vencedor e até mesmo tive a chance de ver a minha existência sendo ameaçada por quem deveria me amar. Ué, parece que já estou agindo bastante como um senhor de idade que vive relembrando as antigas histórias. As palavras que me alcançaram no ano que passou também foram contabilizadas, escritas e publicadas. Foram palavras demais e nem tenho certeza se todas elas serão lidas o suficiente para permanecerem novas a cada novo amanhecer. Ainda tenho a sensação de que esse amanhecer não apresenta sequer uma novidade. Estou tão cansado quanto ontem e sigo cheio de coisas para fazer.

Se em um único ano eu fui tudo que pude ser, então por que me sinto incompleto? Em um único ano vivi histórias o suficiente para escrever uma coleção de textos, mas não me sinto capaz de transcrever qualquer palavra. A verdade é que meu último ano parece mais uma daquelas histórias de vitrine de livraria. Ninguém mais se interessa por livros. As histórias parecem ter perdido o valor e o que realmente importa para a maioria não me faz querer dar importância. Talvez essa seja a minha única novidade nesse novo amanhecer: sou livro antigo, que permaneceu tempo demais na vitrine, estória saturada, sem qualquer novidade, sem um novo enredo.

então me deixe ser palavras
já escritas, já faladas
não importa quais serão
só me deixa ser palavras
já vividas, já sonhadas

sou o mesmo escrito de ontem
o mesmo livro sem capa
o mesmo escritor sem livro
só não sou pessoa sem palavras.

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