VALIDA(DORES) DE VIDA

By Tiago Ferreira - 8.8.20


Ainda me parece difícil diferenciar e/ou delimitar a minha existência da minha sobrevivência. Geralmente, tento me compreender como protagonista das minhas causas, das minhas lutas, das minhas crenças e de tudo que me cerca. Compreendo o meu papel diante da vida que vivo, mas, uma vez ou outra, questiono a minha atribuição no meio do caos, no meio do marasmo, no meio da alegria. Sou realmente o dramaturgo perfeito para escrever a minha vida, fui a escolha certa como protagonista dessa existência? Tentei aceitar que não tenho muitas opções de escolha diante dos capítulos que me envolvem. Sou a evidencia da existência em que me encaixo, mas, pelo menos em dias específicos, não creio que estou plenamente existindo.

Ouvi certos papos de que tenho que me acostumar a sentir dor, a digerir o rancor, a flertar com as cicatrizes e estar constantemente preparado para ser machucado, para ser ferido ou afastado das vitórias que são minhas por direito. A sobrevivência é vendida como um bem de valor e parece significar o resultado de uma vida bem vivida. A vida transcorre diante dos fiscais de conduta e é constantemente categorizada pelo seu nível de dor, pelo seu nível de exposição tóxica e pelo quanto de lágrimas e sangue são derrubados ao decorrer do caminho. Outrem acredita que só vive uma vida plena quem tem, por obrigação, que passar por um deserto de horror e sobreviver a um apedrejamento coletivo. A vida não tem valor para quem é induzido a acreditar que a plenitude é a sobrevivência.

Hoje me deitei cansado, exausto e machucado. Hoje não consigo compreender se vivi ou se sobrevivi. Tenho uma coleção de méritos, mas parece que fui envenenado, que fui ludibriado e que algo me fora tirado. Sinto uma enorme pressão no meu peito e queria que fosse apenas um sentimento passageiro. Estou engasgado com meia dúzia de palavras que tive que engolir, parece que estou carregando um peso lamentavelmente desnecessário e sinto que não estou dolorido o suficiente para dizer que sobrevivi. Será que realmente estou vivendo da maneira correta? Não sei se meu cansaço tem o poder suficiente para expor ao mundo que estou chegando a algum lugar, assim como também não tenho certeza de que minhas dores são capazes de significar que estou vivo. Quem determina minha vitalidade? Quem é que tem o poder de declarar a minha existência? Quem quantifica e qualifica a minha força?

Estou sobrevivido por hoje. Sim, estou sobrevivido. Talvez eu tenha vivido uma vida cansada e exaustiva hoje, mas, talvez, outrem tenha razão de validar os meus méritos de acordo com minha capacidade de sobrevivência. Tenho a sensação de que estou num daqueles capítulos em que não tenho muitas opções, então não sei se tento ressignificar a existência ou vejo como válida a minha tentativa de sobrevivência.


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