RESPONSABILIZE-SE

By Tiago Ferreira - 9.9.20


O produto do amor é o amor? A recíproca é verdadeira até que ponto? A intensidade e importância são, por regra, vias de mão dupla? Olha, não sei ao certo se posso entregar respostas concretas para essas indagações, mas posso compartilhar a minha experiência sobre elas. Ainda acho que todos sabemos um determinado nível de resposta para essas indagações, mas vamos discorrer sobre a responsabilidade emocional. Não sou um especialista no assunto, não flerto com a psicanálise e não sou um orientador e/ou avaliador de sentires, mas posso começar entregando uma única resposta: o produto do amor nem sempre é o amor.

Vivemos o momento mais individualista que já pude presenciar enquanto ser humano. Mas, de maneira geral, sempre somos individualistas em determinados pontos das nossas vidas. Eu poderia dizer que está tudo bem se priorizar e dar exclusividade ao que se é sentido, mas estaria te incentivando a se ausentar da sua responsabilidade para com os sentimentos do outro. É claro que nossa prioridade deve ser voltada para nós mesmos, levando em consideração tudo que temos que sentir, carregar, vivenciar, descobrir, deixar desconstruir e tudo que relativamente possui efeito sobre o que somos ou queremos ser. Felizmente, nosso processo de existência não está exclusivamente alheio a nossa vivencia diante da vida, então temos compartilhado o caminhar com outras pessoas. Talvez a única garantia que temos nessa vida é que somos livres para ir e vir, assim como outrem também é portador dessas possibilidades.

Em termos de ter que compartilhar sua existência, suas vivências e sua vida, você já considerou pensar sobre seu papel diante das experiências do outro? Talvez tenha evitado pensar nisso até aqui - eu mesmo evitei durante muito tempo -, mas temos que tomar ciência do nosso lugar para que consigamos agir conscientemente diante do que nos é entregue. Eu tive que aprender a considerar a minha representação para além das minhas próprias causas, pois aprendi que sou um porto de partida e de chegada para inúmeras pessoas. Não existe problema em se sentir porto desde que você esteja seguro com isso. Temos a habilidade incrível de fazer morada em vários lugares por onde passamos, assim como temos uma habilidade fantástica de juntar tudo que é nosso e ir embora. Mas tenho uma questão importante que tem me consumido nos últimos dias: como é possível que uma pessoa seja capaz de se instalar em você, de cultivar um jardim, compartilhar um mundo e depois aproveitar esse espaço para te negligenciar? Entende?

Imagine como se você tivesse colocado alguém dentro da sua casa. Vocês compartilharam muito durante algum tempo. Você, é claro, sempre muito solicito, sempre ativo, sempre engajado e sempre pronto para cumprir suas representações diante dessa pessoa. Depois de um tempo você começa a perceber que essa pessoa está instalada, está confortável e ela não tem te dado as mesmas representações que você tem entregue a ela. Você percebe que a recíproca não é verdadeira e a importância não é uma via de mão dupla. Enfim, o que houve?

“(…) inteligência emocional é a capacidade de perceber e exprimir a emoção, assimilá-la ao pensamento, compreender e raciocinar com ela, e saber regulá-la em si próprio e nos outros.” - Peter Salovey e John D. Mayer, 1990

Você se sente responsável ou responsabilizado? Você poderia prever a quebra da reciprocidade? Quem está errado? Talvez estas sejam perguntas equivocadas. Eu perguntaria o que não me foi perguntado: você está bem? A responsabilidade emocional é construída primeiro em nós. Temos que ser responsáveis com os nossos sentimentos, temos que atribuir a todos eles os seus devidos valores. Faz um certo tempo que venho discorrendo sobre a importância de sermos leais aos nossos sentimentos aqui no Limoções. Já é tão difícil assimilar tanta coisa que nos rodeia, mas temos que aplicar tempo e importância ao que acontece com a gente, ao que é de nós para nós. Mas, se entregamos ao outro o que temos, o que o conduz a não atribuir uma devolutiva?

Não sei ao certo, mas, ao menos no meu caso, sei que não existiu responsabilidade. Se nós pudéssemos cobrar do outro a mesma dedicação e intensidade que entregamos, perderíamos tempo exigindo algo que deveria ser orgânico. Mas devemos elucidar os fatos. O nosso espaço é nosso, então temos alguém ocupando um lugar que não é o seu. As relações não são sustentas apenas pela troca, pelo interesse, pela necessidade e pela mísera ideia barata de se ter alguém. Relacionar-se vai além de muitas explicações racionais e isso inclui responsabilidades de ambas as partes. As relações possuem um potencial de criar raízes, de serem vividas em diferentes níveis de intensidade, de poderem sofrer metamorfoses e podem ter chance de serem revisadas, mas não devemos continuar dando abertura ou alimento para algo que negligencia nossa vida, nossa luta, nossa essência, nossa magnitude. 

Responsabilize-se. É necessário compreender seu papel, compreender o que foi entregue, responder aquelas perguntas do inicio desse texto e rever quem está morando em você. Você tem o total direito de não ter responsabilidade sobre seus próprios sentimentos, mas tem por obrigação responsabilizar-se pelos sentimentos que não são exclusivos seus, por aqueles sentimentos que ainda moram em você.

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