OS FRUTOS DAQUILO QUE NÃO CULTIVEI

By Tiago Ferreira - 23.9.20


O sentimento de desespero quase sempre permeou minha existência. Por aqui tudo é urgente, tem que ser rápido, imediato e, quase sempre, impensado. Incrível como num piscar de olhos sou empurrado para a beira do abismo, para um beco sem saído e sou colocado num mundo repleto de impossibilidades. O desespero inviabiliza a estruturação de um plano, invalida sonhos e faz parecer indigna nossa existência. Se eu fosse sabido ontem, diria que me deixei ser receptor de sentimentos pesados demais, de sensações que não deveriam me pertencer e portador de medos infundados. Talvez tenha sido necessário buscar as impossibilidades contidas no medo de estar no fundo do abismo, mas quando eu poderia ter parado, respirado e imaginado que era além das dores e da urgência que tentavam me sucumbir?

O medo é uma semente que quase sempre não é semeada por nós, mas nos responsabilizamos por sua existência, queremos cultivá-la, queremos regá-la, queremos vê-la dando frutos. Se nos considerarmos solo fértil para as possibilidades que almejamos, fica possível constatar que o inverso pode acontecer. Hoje eu consigo me ver como um solo que foi devidamente fertilizado para cultivar o medo como um sentimento de fomento, de poder, de resistência, de existência, de vivencia e de essência. Cultivei de maneira fantasiosamente vitoriosa a ideia tosca de que é preciso sentir medo para validar minhas causas, assim como acreditei que os frutos do medo também deveriam respaldar meus aprendizados, meu caminhar, minhas descobertas e meu crescer. Não compreendo o momento em que tomei como verdade a obrigatoriedade de sustentar uma árvore tão pesada quanto o desespero. Colhi os frutos do meu cultivo em todas as estações. Vivi o medo, o desespero, as dores, as cicatrizes e me alimentei de rancores. Matar a fome fisiológica sempre foi uma prioridade, mas a fome intelectual, espiritual e emocional foi matada com veneno.

Sustentar cicatrizes e fingir que elas não doíam também já foi um recurso utilizado para resistir. Coexistir com a falta de vontade de continuar a existir também já foi um recurso utilizado para não deixar a sagacidade do mal seguir descaracterizando meu caminhar. Consciente ou inconscientemente eu já deixei de ser protagonista do meu cultivo. Em algum momento de necessidade deixei de valorizar o silencio por temer escutá-lo. Fui pobre de espirito quando não me capacitei a enxergar a necessidade da calma, as necessidades da alma e a realidade que molda o mundo. Não se vive plenamente quem escolheu a urgência como sua única possibilidade, sua única arma, seu único recurso. Eu gritei enquanto o medo fazia barulhos e me entreguei ao desespero quando ele queria que eu acreditasse que a única opção era permanecer imóvel.

Na solidão proporcionada pela prostração, me tornei capaz de admirar o medo. Admirar esse sentimento limitante me fez compreender que era possível estabelecer limites sobre ele. Não existe uma plenitude transcendental, não existe um protagonista que viveu uma única história como protagonista, não existe ferida incapaz de ser cicatrizada, não existe problemas em se ter cicatrizes, não existe problemas em ter necessidade de solucionar o que se precisa com agilidade, não existe problema em se ver na beira do abismo, não existe problema em evitar o silencio, não existe problema em sentir medo. Agora sou capacitado a analisar criteriosamente os sentimentos que me pertencem. O que foi semeado no meu jardim ainda vive aqui, mas não colho mais os frutos daquilo que não cultivei de maneira consciente.

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