IDEALIZAÇÃO ALHEIA

By Tiago Ferreira - 20.8.21



"[...]E se na sua vez de ser Deus, o mundo todo for ateu?..."


E se todo o conhecimento detido até aqui fosse categorizado como prepotência? E se todos ao seu redor encarassem sua segurança, seu saber, sua firmeza e postura como algo abominável? E se seu jeito de falar, de andar, de se vestir e de se portar fossem questionados e invalidados com frequência? E se você fosse rastreado como um potencial problema por ser quem se é? O que você faria se tivesse que ser silenciado parar poder permanecer onde está? Como conduziria o sentir diante do boicote cruel contra a sua essência e percebesse que propositalmente estão manipulando sua imagem?

Ninguém nasce vilão, ninguém cresce herói. Não somos ensinados na escola a moldar nossa personalidade, mas aprendemos o que não podemos fazer para sermos devidamente encaixados na sociedade. Você não pode matar, você não pode roubar, você não pode traficar, não pode responder, não pode ser rotulado como alguém ruim. Consigo listar o que não podemos ser na mesma linha porque, quando se trata da existência de determinados grupos, não existe grandes diferenças entre matar e existir, pois as duas coisas são encaradas como repugnantes e imperdoáveis declarada ou veladamente. Alguns de nós crescemos com os parâmetros sobre o ser bom construídos de forma unilateral e maliciosa: não resista, não conteste, não pense, não incomode. Ninguém nasce vestindo fantasias ou com uma coleção de máscaras. Ninguém deveria nascer predestinade a passar uma vida buscando aceitação.

Não sei ao certo em qual momento da minha vida optei por não me importar com as consequências da minha inabilidade de ser moldado por todas as projeções de pessoa boa que me cercam. Não me considero uma pessoa ruim, mas jamais pensei que pudesse ser uma boa pessoa. Nunca furtei, nunca matei e nunca trafiquei, mas hoje não consigo definir se o meu meio social me atribui méritos por isso. Estou consciente sobre meu lugar. Estou presente em tantos cenários, em tantas tramas e estou atento aos passos que dou, mas, aparentemente, não consigo definir com clareza se sou um bom homem. Faz certo tempo que não tenho a chance de nutrir e de colher os frutos dos meus melindres, mas sempre estive atento aos melindres de todos que estão ao meu redor. Devo ter deixado passar algo. Devo ter perdido o bom senso. Devo ter me equivocado sobre a definição que a própria sociedade aplica sobre a minha existência: eu preciso ser bom.

Onde estou agora? Formado e encaixado no mercado profissional. Estudando e aguardando o momento de elevar minha posição profissional. Estou consciente sobre meu papel de filho e o que preciso fazer para mantê-lo ávido nesse espetáculo que é a minha vida. Sou um tio participativo e que compreende a grandeza da existência de uma criança. Estou caracterizado como um amigo esforçado e que compreende as necessidades das vias que a reciprocidade precisa construir para ser viabilizada. Estou profissional comprometido com suas atribuições e responsabilidades, assim como estou colega de trabalho atento aos domínios desconhecidos das relações interpessoais. O que existe de errado comigo? Estou definido em meus próprios papeis. Estou articulando os papeis em que escolhi estar, então qual seria a razão de estar questionando meu próprio caminhar?

Talvez eu saiba o que esteja por trás dessa espécie de desabafo que discorro agora. Talvez eu saiba o que esteja por vir. Talvez eu tenha me esquecido de alguns artifícios utilizados pela sociedade para bombardear a minha consciência de lugar, de fala e de existência. O fato é que eu não nasci herói da minha própria história e ainda tento entender como minha existência foi destinada a isso. Levei tempo o bastante para conseguir delimitar a segurança do meu próprio espaço, mas devo ter esquecido de trabalhar o conceito de ameaça ao próximo que minha própria segurança pode causar. Fiz questão de aprender a me comunicar pela escrita e pela fala, dediquei tempo o bastante para criar um vocabulário rico e que coubesse em diversos cenários, fiz questão de escrever o bastante para deixar um legado digno de um grande autor, mas esqueci de desenvolver métodos de controlar o tom da minha voz.

Esqueci, aparentemente, de dedicar bastante tempo ao conceito de idealização alheia que hoje voltam a projetar sobre quem sou.

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