PEDRA NOS PÉS

By Tiago Ferreira - 2.11.23

Talvez tenha chagado a hora de você soltar as minhas mãos. Hoje tenho meus pés acorrentados em uma pedra e ontem me jogaram no lago para afundar. Você tem feito tanta força para me manter na superfície, tem feito tanta força para permitir que eu continue respirando, mas já sabemos onde isso vai dar. Você precisa soltar minhas mãos ou vai afundar junto, vai se afogar, vai perder o fôlego. Não conseguimos soltar a corrente, não temos as chaves, não temos uma serra. Não temos como quebrar a pedra, não temos uma marreta ou uma picareta. Só um de nós pode afundar, e já sabemos que aquele que segura a pedra é justamente o único digno de perder o ar.

Queria que pensássemos nesse momento que a água simboliza o renascimento, a profundidade do existir e o renovo daquilo que já se vê como um peso morto. Estar amarrado na pedra é a consequência da existência maluca que circundou os passos de quem vai afundar tentando deixar como legado as investidas de vida, de sorrisos, de escritas, de pequenas histórias espalhadas por uma curta e bem desenvolvida jornada. Te ver aqui esgotando forças para me manter na superfície me faz questionar o quanto eu já era pesado, mesmo antes de estar acorrentado. Talvez tivéssemos colocado muitas expectativas em quem ainda aprendia sobre o viver. Talvez tenhamos esquecido que o domínio da minha vida era sobre o sobreviver. Você apreendeu a lição e me manteve em sobrevida, mesmo expectando a vida para além daquelas visões deturpadas que te apresentei ao longo da nossa história.

Você tem méritos o suficiente para preencher uma estante de troféus e eu teria dito isso mais vezes se soubesse me expressar. Estou aqui e agora que me dei conta de que ainda aprendo sobre abraços, afagos e carinhos. Sou bicho estranho de lidar, fora da curva da normalidade e isso cansa. Vejo você na superfície enchendo seus pulmões de ar, fazendo força para me segurar e reafirmando que sou aquilo para além dos déficits que apresentei como ser humano. Daqui também consigo enxergar sua humanidade. Vejo que reconhece em mim a potencialidade que eu ignoro e me envolve com sua humanidade para dizer que eu preciso insistir em me soltar da pedra. Sou um mérito seu. Faço parte do seu legado e tenho um Limoções inteiro para provar. Se a ética fosse desmedida e minha licença poética transcendesse os direitos da intelectualidade de outrem, eu nomearia você. Te chamaria pelo seu nome e diria que sempre esteve certe e que reconheço seus esforços, mas, de contrapartida, também te lembraria que você não pode salvar quem ainda aprende a viver. Os perigos do mundo podem ser evitados, outros precisam ser explorados e alguns outros acontecem como armadilhas.

Não caia na armadilha de tentar me salvar. Sou um perigo que já foi explorado e que se tornou uma armadilha.

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