Tomei assento numa cadeira destinada ao meu nome. Depois de um longo processo pautado por um sonho de infância, esquecido e negligenciado, me sentei em uma cadeira destinada ao meu nome, ao meu cargo, ao meu sonho simples. Preciso falar sobre ocupar, sobre estar, sobre pertencer. Nunca existiu meritocracia no trajeto que percorri para estar sentado. Confesso, com muito orgulho e gratidão, que tive apoio e ajuda de pessoas que transitaram, estenderam as mãos e logo foram, me deram a vara de pesca e algumas que ainda articulam, permanecem. Sonhar. Sonho. Só retomei esse ato revolucionário de honrar a minha criança - aquela figura que sonhava - quando percebi que estar sentado numa cadeira de meu completo pertencimento é o sentimento de honra que possui potência de extirpar qualquer possibilidade de ser tirado do meu lugar. Sei que jamais estarei completamente confortável. Ter segurança, ter estabilidade e autonomia. Ser reconhecido, valorizado ou qualquer outra coisa que me relacione ao reconhecimento, definitivamente, não é algo que espero. Entretanto, sei que méritos são frutos de trabalho e reforçam pertencimento. Dar mérito não é um favor, uma cortesia.
Sou Professore. Estou Processore. Para uma criança que cresceu enfiade numa escola, sempre articulando, sempre buscando estar nas entranhas da educação, comi muito arroz com feijão para sustentar a dualidade da minha atuação na educação - no meu atual contexto. Sou cria da educação pública, mesmo tendo passado pela a educação privada. Hoje, como talvez devesse ser, estou na periferia, trabalhando para além daquilo que fui contratado para fazer. Ser Professor no contexto da educação atual (estou em SP com uma política de gestão ultradireita), me faz transcender, transpassar, derrubar, articular e usar de forças que desconhecia ter. Mas estou ciente que meu trabalho tem validade, minhas articulações possuem limites e, como o vento, estou de passagem. Trabalho a minha vida profissional com base na potencialidade de germinar, regar, adubar e tendo a ciência de que meu pertencer é transitório.
Demorei bastante para trazer por aqui essa informação, essa passagem pela a educação, pois, apesar de me sentar numa cadeira de meu pertencimento, minha presença foi, é e será para sempre um problema político, um problema de oposição e de posicionamento. Transitar por espaços, buscar aquilo que se tem por potência, olhar para além daquilo que é visível e resgatar o que eu sabia (sei) que é o ato revolucionário de ensinar, me empurrou para a solidão da minha vontade de fazer. Não quero e não vou dizer sobre o que presencio e/ou escuto daqueles que estão na caminhada como docentes (e aqui a gente pode dizer sobre pessoas com licenciatura e pedagogia) ou daqueles que estão acima de mim fazendo o que é chamado de gestão. Trazer para esse texto as mazelas que vivi e vivo não faz parte da proposto de escrita que me trouxe para essa narrativa. Mas, mais do que nunca, meu corpo e existência estão devidamente politizados.
Estou qualificado para exercer um cargo - e com essa qualificação deixo legados. Aprender e apreender. Replicar e ver acontecer. Me encher de mim para transbordar para todes que precisam. Sou Enfermeire, Professore e essa é a minha contribuição para o mundo. Não, não mudarei a maneira de funcionar e de se operar os processos que me doem e que fazem doer alguns que estão ao alcance dos meu olhos. Não, não farei transformar a escola, a comunidade, o sistema ou o mundo. Não, não tiraram de mim a certeza de que transformações podem ser micro, podem ser minúsculas, podem ser plantadas. Estou limitade - sem sombra de dúvidas. Ainda sozinhe - sem sombra de dúvidas. Mas minha existência - negada e questionada - deixa o que precisa ser deixado. A consciência de mim, me resgata a memória daquilo que acolho como certeza: tive a chance de não reproduzir e tive a chance de ser o que não me foram.
O que é ser aquilo que não me foram, não conheci? Memória. Consciência. Lélia González.
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