ESTÁ COMPREENDIDO E NÃO ACEITO

By Tiago Ferreira - 6.7.25


O ideal seria se o processo natural de cura nos empurrasse para longe de precipícios, buracos e poços sem fundo, mas, na contramão, temos que manter o alerta ligado - e alguns de nós temos que gerenciar muitos alertas. Eu tenho trazido bastante recortes para os textos publicados aqui no Limoções, pois é assim que me vejo no cotidiano: recortado, separado. Incrível como essa característica poderia ser algo naturalmente positivo, mas me coloca ainda mais às margens daquilo que quero ou de onde devo estar. Sentir-me recortado se atrela ao sentimento de deslocamento que, por sua vez, recai sobre quem sou, me diminuindo, me deixando pequenino. Óbvio que iniciamos 2025 conversando sobre temas importantes como o autoperdão e a invalidação dos adjetivos que pessoas escarram sobre características potencialmente únicas.

O problema sempre foi ser muito analítico - pelo menos até aqui. Hoje eu procuro não analisar aquilo que não me toca ou que não é meu. Entretanto, não existe imparcialidade para a minha existência - independentemente do local que eu ocupo. O deslocamento e o sentimento de pequenitude se desfaz quando preciso me fazer grande e firme diante daquilo que me fere ou fere os meus. Esse movimento, muitas vezes automático, me coloca na transição entre ser deslocado e pequenino, mas firme diante das minhas crenças e grande diante das minhas certezas. 

A possibilidade de estar isolado, sozinho, muitas vezes foi apontada como uma consequência do meu próprio comportamento. Um comportamento levado para a análise. Um comportamento definido. Desenhado como um comportamento seletivo, autoritário, inflexível, severo, rude, rígido, exigente e - por fim - um comportamento de pessoa branca. Chegamos num trecho que, provavelmente, fará com que alguns desistam da leitura ou que apontem uma falha de discurso relacionada ao parágrafo anterior. Entretanto, a conclusão da análise do meu comportamento - nesse exato momento - já está fechada. Comportamento de pessoa branca: chegar em espaços, ocupar espaços, ser lida pelo olhar de credibilidade - diferentemente de uma pessoa que está atravessada por um marcador racial. O uso da palavra comportamento em excesso é proposital - não foi uma falta de sinonímia.

“Qualquer atividade de um organismo que possa ser observada, registrada e medida, seja ela manifesta (visível) ou encoberta (mental), como andar, falar, pensar, sentir, reagir a estímulos, entre outros.”
MARTINS, J. C.; BILSKY, E. Psicologia: uma introdução. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

Esse texto está em construção desde que ocupei um local de pertencimento. Para que eu conseguisse finalizar essa narrativa - iniciada com um parágrafo que sustenta quem sou hoje - tive que concluir o processo violento de ocupação, de realização pessoal e de retomada de fragmentos de sonhos. Esse processo envolveu bastante coisa. Esse processo envolveu o aprender sobre como ocupar, como se apresentar e como se desenvolver em locais e como se relacionar com pessoas que não me viram como outra pessoa (e não vão ver), mas como algo. Eu quero chamar a atenção para a objetificação do meu corpo e o uso recorrente de adjetivos para destituir, descredibilizar, desencorajar e me colocar no local "correto" dentro daquilo que chamamos de paquito narcísico da branquitude.

“O pacto narcísico da branquitude se mantém por uma lealdade entre pessoas brancas, mesmo quando sabem que estão sendo injustas. Preferem proteger esse lugar de privilégio do que abrir mão de benefícios.”
Cida Bento, Entrevista à Revista Trip, 2020.

Cida Bento, na citação acima, define o que vivi na teoria, pois a prática lançada sobre mim é impossível de ser definida. A exclusão feriu, além de ativar o modo de defesa existente na maior parte de nós que não estamos na potência da leitura privilegiada de estima, consideração, interesse, preocupação, importância, credibilidade e outros potenciais. Se meu comportamento primário foi lido como algo ruim, o comportamento a seguir não poderia ser algo positivo. Estar em alerta, em modo defensivo, é o que sobra para mim e para todes os outros que não estão no pacto. Para finalizar a definição do pacto, não fui capaz de fazer os meus com aqueles que poderiam ser similares a mim. Individualidade. Solidão. Quem teme os que possuem os privilégios, infelizmente, tendem a se esconder. Não, não me escondi. Não sei fazer isso. Não caibo na possibilidade de estar em silêncio. De certo, serei o problema, meu comportamento será o problema - e isso está compreendido, mas jamais será aceito.

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