RESENHA: LUGAR DE NEGRO | LÉLIA GONZALEZ E CARLOS HASENBALG

By Tiago Ferreira - 16.9.23

Seguindo meu reconhecimento de espaço, local e tempo, assim como de identidade e consciência, trago ao Limoções de maneira simples e objetiva as minhas percepções (e isso somado ao que foi apreendido na leitura da obra) sobre "Lugar de Negro" por Lélia Gonzalez e Carlos Hasenbalg - pela editora Zahar.


SINOPSE: Lugar de negro reúne três textos de duas grandes referências nos estudos das relações entre desigualdade e raça ― Lélia Gonzalez e Carlos Hasenbalg ―, sintetizando pontos centrais da questão racial brasileira e contribuindo para fortalecer uma luta fundamental do movimento negro naquela época: descontruir o mito da democracia racial, incitado durante a ditadura. Numa perspectiva intimista, Lélia Gonzalez dedica-se aqui a apresentar o processo de consolidação do movimento negro no Brasil, culminando na criação do MNU, em 1978, na qual exerceu protagonismo. Carlos Hasenbalg, por sua vez, analisa os principais aspectos acerca da configuração do racismo e das desigualdades no Brasil. Seguindo sua linha investigativa pioneira, ele demonstra que relegar a discriminação ao reflexo das relações de classe subestima o papel da opressão racial na própria constituição das hierarquias sociais. Publicado originalmente em 1982, este livro apresenta ainda hoje reflexões cruciais para a agenda intelectual e política do Brasil.

 

Lélia Gonzalez foi militante da luta contra o racismo, tendo sido tomada como uma das principais acadêmicas do movimento preto. Como descrita em sua narrativa, surgia na década de 1970 a ruína do mito da democracia racial e isso acontecia enquanto os movimentos sociais se articulavam, buscavam e e/ou reconheciam suas lideranças. Sendo importante conceituar Gonzalez, acadêmica, antropóloga e filósofa foi uma das fundadoras do Movimento Negro Unificado, articulando no uso do meio acadêmico e pelas forças de manifestações a céu aberto a respeito do local do preto por trás do mito da democracia racial. 

Como a própria Lélia descreve em sua obra, "Lugar de Negro" surge da proposta de reinterpretar a filosofia de Aristóteles, segundo a qual formações econômicas se distinguiam entre brancos e pretos. Para seguir o discurso de seu trabalho, a autora constrói, como de costume, uma linha do tempo com as articulações entre estados e outras figuras importantes do movimento negro, como Abdias Nascimento. Gonzalez, além da luta geral pelo movimento negro, também foi precursora da discussão feminista no Brasil, mas esse trecho é mantido para outra obra.

Visualizando desde o local às margens da sociedade, questionando o acesso aos direitos básicos, reforçando a distinção em investimentos públicos, Lélia questiona o mito da democracia racial, tendo como uma das principais bases de confronto aquilo que está visível aos olhos: o local da pessoa branca e o local da pessoa preta.

A obra lançada em 2022 pela editora Zahar ainda traz, em formato de trabalho acadêmico, as considerações de Carlos Hasenbalg. O autor utiliza uma cronológica mais específica para culminar na organização social no Brasil, revisando a história e a organização de classes e as tentativas de outras organizações econômicas nos EUA. Ter os EUA como referência, de acordo com o apresentado pelo autor, auxilia na compreensão da organização social no Brasil, explicitando as implicações nas formações sociais e culturais que o racismo apresentou quando importado para cá.

A proposta de Hasenbalg parece desencontrar de Gonzalez e confesso que - pelo menos como leitor - perdi ritmo e fôlego quando ocorreu a alteração de capítulos, a alteração de autores. De todo modo, os dois autores culminam na análise racial com o Brasil como cenário e "Lugar de Negro" deveria ser leitura obrigatória para a compreensão dos movimentos sociais desse país, assim como para a compreensão da ruptura da fictícia democracia racial que tenta resistir até os dias de hoje.

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