CARTA PARA ELA: SUA INCAPACIDADE DE ME ENXERGAR

By Tiago Ferreira - 22.6.18

Carta verídica escrita para um grande amor em 7/5/17. Nunca obtive uma resposta.

Ilustração originalmente feita para acompanhar o post "Carta Para Ela". Clique aqui para ler.
“Poeta não pode ser magoado. Homem não pode sentir nada. Não sei quando vou conseguir compreender que as pessoas não ligam se estou em pé no palco ou caído na sarjeta. Eu desliguei o telefone, excluí os aplicativos e fechei todas as contas. Não consegui entender o motivo de ter levado tanta ofensa para o meu coração. Não entendi o porquê de estar no chão. A dificuldade de engolir as palavras que tanto me feriram foi notória. Já não sentia o amor há tanto tempo e hoje eu o quero longe de mim.


Eu fui obrigado a engolir e fui embriagado por tanto ódio. Vivi pela última vez ontem e não sei mais como será o amanhã com a minha ausência. Não tenho asas para voar e sinto minhas lágrimas escorrendo. Não quero ter que aguentar firme. Olhei para o abismo da tristeza de olhos fechados, mas o medo me fez os olhos abrir e aqui estou imóvel e totalmente indignado com tamanha profundidade. O anteontem foi quem me viu firme e cheio de vida. Agora ouço as inverdades ditas por quem não aceita a dor alheia e vejo a indiferença de quem não considera a decepção do próximo. O sol brilha lá fora e eu continuo preso na escuridão das palavras. Um caos causado pela hipocrisia e uma tormenta causada pela indiferença são as minhas únicas companhias nesse silêncio. Preciso ir embora, quero sair de cena e tenho a necessidade de ser esquecido. Não sou o bem e nem o mal, mas sinto vergonha, sinto medo, sinto raiva, sinto dor e sinto revolta. Vou me esconder para minha própria proteção, vou costurar meus lábios para minha própria proteção, vou destruir meu cérebro para minha própria proteção, vou cortar minhas mãos para minha própria proteção e vou dormir até um verdadeiro amanhecer me acordar. A vida segue e eu também. O amor esfria e eu também. A indiferença fere e as minhas palavras também. As palavras matam e eu morro também.” 


Limoções, 18/12/2015

Meu amor, é usando esse texto mórbido de introdução que inicio mais uma carta convidando-lhe a sentir um pouco do que tenho sentido.

Sabe, por vezes já tive muita dificuldade de me colocar no lugar do outro e sei o quanto isso é ruim e egoísta, mas fui procurando me arrumar em relação a esse aspecto. Depois de muito me mudar e moldar, consegui ser um pouco altruísta e, confesso, que gostei de estar na pele do outro. Depois de um tempo eu passei exatamente a ver somente o outro. Me calei, engoli, fingi que não vi, não ouvi e não sonhei somente para supervalorizar o que o outro sentia, ouvia, dizia, via e vivia - estava ali instalado um grande problema. Passei a me deixar de lado em todas as áreas da minha vida por simplesmente ter medo de machucar o outro, por temer ferir quem eu gostava e, como ocorreu em muitos casos, por simplesmente ter pavor de ser deixado para trás por pensar em mim. O tempo passou e eu continuei esquecido por mim, emudecido por mim, ensurdecido por mim e completamente sufocado por mim. Foi na minha adolescência conturbada, depois de perceber que meu altruísmo era exagerado e devastador, que resolvi me colocar em primeiro plano, decidi falar tudo que esteve guardado durante anos. Confesso que sofri e quase morri vomitando ao mundo e a todos tudo que segurei por anos, longos anos pensando somente em quem esteve a minha volta. Foi nesse momento que me sentei e analisei toda a performance altruísta que eu havia entregue ao mundo e percebi que o mundo não tinha me devolvido todo esse altruísmo. Fui um completo panaca o tempo todo, pois enquanto eu me exonerava da minha vida para viver na pele do outro, ninguém jamais fora capaz de se posicionar no meu lugar. Não estou insinuando que o mundo me usou sem meu consentimento, longe disso. O mundo me usou e eu permiti que me usassem, esse foi meu primeiro erro. O mundo poderia ter devolvido meu amor e carinho que foram apresentados em forma de altruísmo, mas não devolveu, esse foi o primeiro erro do mundo.
Confesso que eu nunca soube o que é cuidar de mim, mas tomei como preâmbulo a possibilidade de afastar de mim quem, junto com o mundo, aproveitou da minha incapacidade de me cuidar. É sério, eu comecei a cortar minhas relações, a me exonerar da tarefa de ser amigo, de ser filho, de ser irmão e assim vai. Na minha cabeça eu deveria fazer com que todos sentissem o que eu senti quando me ignoraram, quando todos se viam em mim além de me ver, quando não importava o que eu sentia, como eu me sentia. Foi exatamente nesse momento que o Tiago que você conhece hoje nasceu.

Vamos então ao que importa:

Meu amor, você deve saber como é esperar ser lembrado e como é esperar que as pessoas se importem com você. Eu sei exatamente como é esperar e não receber isso em troca. Carreguei, durante muito tempo, o peso dos outros e o meu peso, tanto que tive dificuldades imensuráveis para resolver todas as minhas problemáticas por não ter conseguido suportar o meu fardo e o fardo do outro. Hoje você me cobrou de estar próximo das pessoas e de dar um parecer a quem supostamente se importa comigo. Eu tenho uma coisa a te dizer, que inclusive já cheguei a dizer, mas tenho certeza de que você não compreenderá: existe uma discrepância enorme entre você se importar comigo e entre você querer saber de mim.

Depois de tudo que passei, sei exatamente quando as pessoas de fato se importam e quando elas querem saber de mim para vir atrás de mim depositar seus problemas. Eu, por toda a minha merda de vida, sempre fui procurado para ser um depósito de problemas e confesso que no passado não soube lidar com isso. Hoje em dia eu procuro não procurar as pessoas e você, mais do que ninguém, sabe que por vezes não estive bem assistido com aqueles que você luta para me fazer acreditar que são meus amigos. Me sinto completamente impotente ao tentar explicar a você que não gosto dessas pessoas muito próximas de mim e não vejo problema em me sentir assim, pois sempre fui grato e muito feliz ao recordar tudo que elas já fizeram quando mais precisei. Hoje, nesses loucos tempos em que se fala bastante de auto-estima, tenho tentado me olhar, me cuidar e zelar por quem sou, mas me sinto completamente errado quando você - ou outro alguém que amo - tentam me obrigar a pensar no outro. Eu não quero estar mal e ainda ter que lembrar de ir avisar a alguém que estou mal. Eu não posso ser obrigado a ter que ver ou ouvir pessoas que não poderão somar positivamente ao meu estado de espírito. Eu não posso ser persuadido a ter que ficar próximo de pessoas que mais vêem minha vida de fora do que participam dela. Eu não consigo mais receber as pessoas perto de mim estando completamente péssimo.

Você, meu bem querer, tem me confundido muito em tantos os aspectos, pois ora você deseja que eu seja outro, ora você deseja que eu descanse, ora você me aconselha a me priorizar, ora você me aconselha a desligar o telefone e pensar em mim, ora você espera que eu dê atenção ao mundo, ora o mundo perto de mim é um problema. Eu de fato quero pensar mais em mim, em você, na minha família e por último nesses meus “amigos”. Eu me sinto muito cansado em relação a essas pessoas e não é de hoje, por isso as coloquei um pouco distantes de mim. Você sabe de tudo que passei com tanta gente e sabe que em momentos como esse eu prefiro deixar o palco e me retirar da cena. Meu bem, fico contente com a sua preocupação porque considero ela legitimamente pura e verdadeira, mas não consigo aceitar essa sua idéia de que quem me procura, quem te procura para saber de mim é amigo, é importante, é verdadeiro e quer saber como estou. Não estou aqui dizendo que não gosto dessas pessoas. Você já sabe como me sinto e penso em relação a elas, mas vou reafirmar caso você tenha esquecido: gosto de todos os meus “amigos”, mas faz um tempão que eles não me procuram para saber como estou, faz um tempão que eles me procuram para saber de mim. São pessoas que me visitam, me ligam ou me mandam mensagens interessadas em ter de volta a minha dependência delas. Essas pessoas já me tiveram completamente aos seus pés, já ouviram de mim o quanto eu temia perde-las e já me viram em um dos meus piores estados. Essas pessoas sentem falta de mim amando-as incondicionalmente, sentem falta de mim alimentando seu ego e sentem falta de mim em períodos péssimo que felizmente ficou no passado. Meu bem, como posso eu estar mal como estou ter a obrigação de pensar nessas pessoas? Como posso eu ter que me colocar no lugar delas nesse momento tão difícil sendo que elas até então não se posicionaram no meu lugar? Por que você consegue se colocar no lugar dos meus “amigos”, mas não no meu?

Quero te agradecer por ter me lembrado o quanto sou homem e quão bem me faz ser um “tatu”. Sabe o porquê deu te agradecer? Te agradeço por ter me feito reconhecer que tenho sido homem até aqui. Tenho falhado, caído, levantado, me machucado, perseverado, aprendido, apreendido e crescido a cada dia como um homem. Te agradeço por ter me ajudado a vir de encontro a premissa de que como homem eu suportei todos os meus pesos e fardos, guerreei na linha de frente da minha vida e venci muitas guerras e batalhas. Fui, por vezes, meu único companheiro e meu próprio agressor, fui por diversas outras vezes quem me derrubou e quem mesmo me levantou e tenho sido até aqui o homem que é cheio de machucados e cicatrizes e dores que continua a caminhar. Tenho sido o homem que decidiu acreditar no amor desde que te encontrou. Mesmo tendo errado, sofrido, ter machucado, eu tenho provado um pouco do que é ser amado e odiado pelo até então meu único e grande amor. Meu amor, obrigado por me comparar a um “tatu” quando se referiu “ a minha habilidade de me retirar quando não me sinto apto a estar no palco". Eu me isolo, me escondo e me fecho quando não estou bem, quando estou ameaçado e quando não sou mais bem vindo. Isso não é um problema, pois acredito ser a melhor das soluções estar bem comigo antes de qualquer coisa para assim conseguir estar em pé quando todos menos esperarem. Te agradeço pelas suas declarativas, mas confesso-lhe que em primeiro momento elas soaram bem destrutivas.

Eu poderia mais uma vez te pedir para tentar se colocar um pouquinho que seja no meu lugar? Será que você consegue se lembrar de mim e de todas as vezes que expus meu interior a você como estou fazendo agora? Eu tenho tido toda paciência e amor com você, mesmo você estando me atacando e me dizendo coisas horríveis nos últimos dias. Será que é possível você esquecer do mundo, dos meus “amigos” e do passado para lembrar que por agora eu preciso de você sem a roupinha da acusação, do ódio, do rancor, do altruísmo em relação aos “amigos”, sem a condenação, sem o julgamento e sem sua terrível falta de paciência? Eu definitivamente não preciso estar no facebook para estar com você. Podemos dialogar por mensagens, por ligação, por videoconferência e sempre poderemos dar um jeito de ficarmos juntos, mesmo estando fisicamente um pouco distantes. Te peço que tome um pouco mais de cuidado para que nossa distancia física não se torne uma distancia afetiva que manchará e acabará com a nossa projeção de amor.

Tenho estado deveras cansado nas ultimas semanas, porém já consigo sentir um resquício de chama que tenta constantemente me fazer lembrar que estou vivo e posso voltar a ficar em pé gloriosamente. Eu tenho somente me frustrado com a perspectiva horrível que é saber que você não está ao meu lado dando apoio, mas está ao meu lado fazendo o contrário. Eu quero ressurgir gloriosamente de mãos dadas com você, se você permitir. Mas não posso fazer qualquer coisa se você, que amo e diz que me ama, não conseguir se colocar no meu lugar.

Espero que você esteja completamente bem,
Da merda de pessoa que sou,
Tiago Lima.

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