NESSE PERCURSO, REAFIRMEI MINHA IDENTIDADE?

By Tiago Ferreira - 10.7.18

Há alguns dias publiquei por aqui o primeiro post sobre esse tema e decidi continuar o nosso papo. Separei mais alguns escritos publicados aqui no Limoções que falam sobre a minha construção como ser humano pensante, negro, fotógrafo e um aspirante a escritor para dialogarmos sobre o sentido deles.

Lembrando que esse tipo de post não nasceu para explicar ou justificar qualquer um dos conteúdos que tenho apresentado. Essa publicação serve como um guia para quem está chegando agora ao LM ou para quem já o acompanha e precisa ser norteado pelas minhas indicações.

Enfim, sinta-se a vontade para se identificar e interagir com esse post. O nosso diálogo é coletivo, então estamos abertos a todos os tipos de considerações.


Quando descobri que a escrita justificaria a minha existência como pessoa, comecei a me entregar com mais intensidade a todas as palavras que passam pela minha cabeça. Comecei a publicar o que escrevia muito cedo e já tive na internet três projetos diferentes. Obviamente que um deles é o Limoções, mas no post "3 FASES DA MINHA ESCRITA" falo dos projetos antecessores e os classifico em fases.
Imagem retirada do post "3 FASES DA MINHA ESCRITA". Clique aqui para ver.
Por que separei os três projetos em fases? Não sou um tipo de pessoa que teme mudanças, ao contrário, durante a minha existência tive que mudar inúmeras vezes para não acabar enlouquecendo ou sendo pisoteado por alguém. A minha escrita acompanhou as minhas transformações. Já cheguei a dizer inúmeras vezes que para escrever é preciso viver, e é no sentido literal dessa frase que meus projetos se encaixam. Cada um deles esteve vinculado com etapas do meu crescer e apresentam diálogos com cada momento especifico dessas etapas.

My Days - 2010
Desencantos e inquietações da adolescência e um jovem que está descobrindo a viver.


Um Anacrônico - 2012
Enfatização de sentimentos obscuros e melancólicos e não contentamento com a vida que levava e a dramatização da sua própria existência.


Limoções - 2015
Estreitamento de laços com a natureza e com a espiritualidade, autoconhecimento e aceitação de si no mundo em que vive e a apresentação da harmoniosa maneira de se viver a vida.

Quando minha vida mudou não me vi mais em nenhum dos projetos anteriores. Logicamente que todos os escritos daqueles momentos ainda dialogam com o meu presente e dizem muito ao meu respeito, mas, de certa forma, vejo essa separação de fases como uma atribuição carinhosa a cada momento que me considerei diferente de hoje. Em suma, os projetos antecessores ao LM - que foram finalizados - trazem marcos para a minha vida. Cada finalização representa um crescer - superação - mediante a cada característica daquelas fases.
Ao decorrer da jornada tive que me libertar de inúmeros parâmetros e formas que me foram impostas enquanto ainda me formava como adulto. Essas formas foram forjadas por diversos fatores, mas, talvez o principal deles, a religião ganha grande destaque porque me impediu de me desenvolver como o Tiago que sou hoje em diversos momentos.

O post "ALMA LIVRE - PERCEPÇÕES" é um review do trabalho original do Limoções "ALMA LIVRE" - que foi realizado e justificado pela Jade Tresca - e fala basicamente sobre como me comportei ao decorrer do tempo mediante aos parâmetros impostos pela religião e por diversas outras vertentes.
Fotografia retirada do trabalho fotográfico "ALMA LIVRE". Clique aqui para ver.
"'O patrão nosso de cada dia' - Estar livre sempre foi uma questão de rebeldia para mim. Nasci em um berço onde um molde me esperava, um molde que traria para a minha vida o sentido que esperavam que ela tivesse. Sempre que algo diferente do molde aparecia em mim, todos estavam preparados para podar a minha predisposição ao corrompimento dos parâmetros. O objetivo era sempre o mesmo: me fazer permanecer igual aos demais. A coisa era tão radical que fui privado da literatura, da música, do teatro, do cinema e de qualquer coisa que "ameaçasse" a forma que estavam tentando me atribuir. Os recursos utilizados para me induzirem a permanecer naquilo que chamo de "o caminho da perfeição" eram tão intimidadores que demorei a ter coragem para questionar a veracidade e razão daquelas regras. Então, sem poder me sentir e/ou me viver, eu estava entregue - na verdade à mercê - dos meus patrões. Eu fazia exatamente o que me era ordenado e no final do dia estava livre de um esporro ou de uma surra. Se eu fizesse exatamente o que os meus senhores mandassem, eu estaria livre de ser vitima do mal que me esperava no mundo e - no final do dia - eu poderia sentar à mesa e jantar em família portando a dignidade e pureza. Não era tão gratificante ter que realizar as projeções dos patrões, mas eu precisava ter a certeza de que eu teria o olhar de cada um deles dia após dia."

Nunca tive coragem de falar sobre esse tema antes da realização desse trabalho fotográfico. E mesmo que minha forma de ver a religião tenha mudado, ainda sentia certa dificuldade em falar sobre ela. Só fui ter coragem esse ano. Após passar um tempo desligado de qualquer influencia religiosa, voltei ao meu inicio e comecei a contestar as imposições que me foram atribuídas em determinados momentos.

"A abolição da alienação na qual eu estava submetido aconteceu quando eu conheci a arte. Foi por intermédio do meu cansaço e trazendo na linha de frente da minha vida os meus rancores e frustrações que optei por transformar as minhas dores em palavras. No momento em que não me vi mais nas projeções alheias e permiti sentir as consequências da revolução que minha rebeldia me traria, foi que consegui quebrar as correntes que impediam o meu crescimento. O que optei por ser não foi influenciado por qualquer pessoa. O que optei dizer enquanto escrevia não foi influenciado por nenhum autor. Quando me vi solto, me vi só. Eu sabia que enquanto estivesse dentro das regras eu poderia contar com a presença dos meus senhores e dos meus amigos em qualquer situação da minha vida. Eu não era de um todo importante naquele meio, mas eu fazia parte do funcionamento daquela máquina. Eu era um fruto da hipocrisia."

Costumo dizer que a publicação "ALMA LIVRE - PERCEPÇÕES" é uma resolução dos questionamentos que permearam as minhas crenças ao decorrer da minha adolescência. Eu só fui ter coragem de finalizar essa etapa depois de ter transitado por outras culturas e por tido contato com estudos culturais sobre outras religiões.

Por fim, não atribuo os méritos da minha alienação inteiramente ao fato de ter sido aprisionado nos parâmetros religiosos nos quais estava inserido, mas também deixo frisado o mérito daqueles que utilizaram a religião para me castrar intelectualmente.

"Hoje o meu sentido de liberdade é ter coragem de romper com as projeções que lançam sobre mim e ter mais coragem ainda de continuar a caminhar mesmo estando só. Liberdade é ter conseguido compreender que ninguém - que não seja eu - conseguirá impedir o meu crescimento, o meu evoluir. Liberdade foi o que conheci quando descobri que consigo fazer arte. Liberdade é estar no meio da natureza. É enfrentar a repressão que ainda sofro por ser o que sou: ser humano."
"Sempre foi e sempre será difícil para mim lidar com o que sou. Nunca foi uma balela me ver perante ao espelho e ficar completamente satisfeito, mas hoje eu consigo me satisfazer. Hoje eu posso dizer que é isso que sou. É exatamente assim que sempre serei. Ninguém tem ou terá o poder de mexer com o que me faz feliz. Já que eu me faço feliz: FODA-SE os olhares da acusação. Eu me basto!"

A simplicidade do post "EU SOU DEMAIS" me enche de orgulho por contrastar com a complexidade do sentimento que permeou sua criação. Durante muito tempo me senti insatisfeito comigo mesmo. Minha insatisfação com o meu corpo me fazia sentir muita raiva de quem sou. Nunca aceitei meus traços, minhas gorduras e diversas outras imperfeições. Quando decidi que faria uma sessão de fotos completamente nu, eu já estava prestes a me satisfazer como homem e com o corpo que tenho.

As palavras que eu precisava dizer sobre mim naquele momento eram certeiras e curavam as cicatrizes que eu tinha por ter sido gordinho durante a vida toda e ter sofrido discriminação por isso. As fotografias desse post jamais tiveram a intenção de apresentar qualquer espécie de sensualidade. Elas foram capturadas para mostrar aos meus olhos que sou perfeito exatamente como sou. Meus defeitos e minhas imperfeições são somente minhas e devo me encher de orgulho por isso.

Recordo-me bem que na época minha amiga Mary Simplício debutava o Blog Revelador e lá ela publicou um texto que me encheu da mais pura coragem para compartilhar as imagens aqui no LM. O texto "VOCÊ É DEMAIS" - da Mary - norteou a minha coragem e também me fez ver o que antes eu não via: eu me basto!

"[...]Nunca mais deixe ninguém dizer uma vírgula de você, porque só você se conhece de verdade. É você que conhece seus mais profundos pontos fracos e também os fortes - mesmo que não valorize eles. Foi você que lidou com toda a negatividade alheia em cima de você, foi você que carregou no peito toda dor que passou e também é você que vai carregar toda a dor que ainda vai passar. Será sempre você e você. Quando seus demônios virem te assombrar, só você estará lá para batalhar com eles..." - Você é demais, Blog Revelador


Bom, esse é o último post da sequencia "NESSE PERCURSO, REAFIRMEI A MINHA IDENTIDADE?" e acredito que já seja possível conhecer um pouco do Tiago Ferreira que escreve para o Limoções. Sou negro, aspirante a escritor, com poucos recursos financeiros, de bem com o meu corpo e em constante construção. Aprendi a me afirmar e reafirmar gente e desenvolvi as minhas possibilidades de defender as minhas convicções. Não foi fácil chegar até aqui, mas fico realmente feliz de ter a possibilidade de compartilhar parte dessa construção diária que é a vida por intermédio desses dois posts e do todo o acervo do LM. Hoje é possível ter a certeza de que vivemos para aprender e desaprender. Estamos em constante construção, mas, de contrapartida, também temos que desconstruir em diversos momentos.

Para ver a íntegra dos posts que menciono, é só clicar nos títulos dos mesmos.
Veja a primeira parte dessa publicação clicando aqui.

Obrigado por ter lido até aqui. Interaja comigo. Você já teve que se reafirmar mediante a alguma área da sua vida? Já teve que se desconstruir para reconstruir?

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