NESSE PERCURSO, REAFIRMEI MINHA IDENTIDADE?

By Tiago Ferreira - 26.6.18

Bom, quem acompanha o Limoções conhece todos os escritos que trazem em sua essência a materialização da minha identidade. São textos e poemas que expressam a luta e a dificuldade de me autoafirmar negro, pobre e um aspirante a escritor. Nesse post listarei alguns desses escritos e retomarei alguns dos diálogos iniciados por vários títulos. Como nunca utilizei o Limoções como uma ferramente de singularidade, posso ter a chance de falar pelo coletivo em alguns momentos. Sinta-se a vontade para se identificar e interagir com esse post.


Assim como qualquer pessoa, ao decorrer da minha vida eu fui descobrindo o que gostava, no que acreditava e o que fazer mediante a alguns acontecimentos. O que talvez me difira de algumas pessoas é o fato de eu ter sido privado de ser negro. No texto "Quando Decidi Ser Negro" - publicado aqui no LM em 23/10/17 - falo das dificuldades que atrasaram a minha formação como um negro orgulhoso e empoderado.

Imagem retirada do post "Quando Decidi Ser Negro". Clique aqui para ver.
"[...]Hoje, depois de me libertar dos estigmas sobre o meu povo, me assumo como negro. Desde 2015 que trago em minha cabeça meus lindos cabelos crespos que formam um belo emaranhado de nós e cachos que, sem sombra de duvidas, me conectam com a ancestralidade do meu povo. A cada nova luta - atribuída a mim por ser quem sou - me sinto mais escuro, mais preto e completamente pronto para ter voz. Imagino que essa sensação de liberdade e força teriam motivado meus avós se eles tivessem se permitido dar um passo além do medo. Enquanto aos meus tios, alguns ainda preferem negar - mesmo com muitas situações apontando suas identidades - e ainda transmitem os ensinamentos do "cárcere" aos seus filhos. Não posso culpá-los, porque sei que o processo de libertação não é tão simples quanto muitos dizem por aí que é. Sei o quanto é complicado se libertar dos ensinamentos mergulhados no não ser, não ouvir, não falar e não querer."

Escrever e publicar esse texto significou para mim um marco. Eu já havia feito dois trabalhos que caminhavam para a minha autoaceitação, mas foi quando me aprofundei no assunto e voltei ao meu passado - e me vi sendo discriminado pelo meu cabelo e pela cor da minha pele - que cheguei ao limite da negação. Quando percebi que não me identificava com uma coisa que estava óbvia em meus traços físicos e mais nítida em alguns dos métodos da minha criação, foi que caí na real. Na real, escrever e publicar esse texto só teve um significado para mim que rompi com os parâmetros que cito naquele escrito. Só eu enxerguei o óbvio e fui atrás de informações. Fui me formar negro. Isso aconteceu aos meus 19 anos. Um pouco tarde? Não.


"[...]Me faz bem seguir com o olhar na história
Pois sou parte da trajetória antigamente atual
De um povo guerreiro e sonhador
Que lutou e construiu seus heróis
Que aguentou firme a maldade da cor
Sou filho da terra e porto cores vivas
Sou filho da terra e não escondo as minhas feridas..."


Antecedendo a publicação "Quando Decidi Ser Negro", apresentei por aqui o trabalho "Originário" e, como o nome propriamente sugere, ele nasceu para simbolizar e expressar a minha luta dentro da identificação. É óbvio que esse trabalho ainda não expressava por completo tudo que eu estava passando para caminhar ao processo do meu reconhecimento como negro. Mas para compor os traços e sentidos desse post eu tive que estudar história e a minha história.

Fotografia retirada do trabalho "Originário" apresentado pelo Limoções em 18/11/16. Clique aqui para ver.
Nunca pude contar com a minha mãe para colaborar com meus estudos sobre a minha árvore genealógica porque quando o assunto gira entorno dos costumes de alguns dos antepassados dela, imediatamente ela interrompe a conversa. Minha sorte é que em alguns momentos da vida ela foi compartilhando informações importantes. Eu sei, por exemplo, que tive ancestrais indígenas e vindos de África. O pouco que ela se lembra e possibilitou me entregar, colaborou muito para a criação do trabalho "Originário" - que foi inclusive apresentado pelo Limoções no mês da Consciência Negra de 2016.

Como todo homem tenho a chance de caminhar, tropeçar e cair. Como homem tenho o direito de errar e confirmar o meu erro e seguir em frente. Ao decorrer do meu trajeto pude me reafirmar negro, mas, mesclando o caminho, tive que aprender a me reafirmar jovem, homem e pecador.

Clique nos títulos para ser direcionado aos posts: "COROA DE ESPINHOS", "MANIFESTO" e "FALE SOBRE MIM".
Por toda a minha vida meus acertos são sempre imperceptíveis para aqueles que fazem parte do meio onde estou inserido. Constantemente tenho que lidar com pessoas apontando os meus erros e os meus pecados e me resumindo a um pecador, a uma porcaria. Essa coisa que me é transmitida me fez tentar ser perfeito. Passei a visualizar meus insucessos como um resumo de fracasso que norteava a minha existência. Eu me sentia o fracasso. Foi bem difícil sair desse parâmetro que me estabeleci. Passei a ter medo de dar um passo, de falar, de me vestir, de pensar e comecei a me restringir não podendo viver como qualquer ser humano nasceu para viver.

Dentro das entrelinhas de "Coroa de Espinhos" deixo bem claro o meu sentir mediante a essa visão deturpada de homem que permeou o meu crescer, ou melhor, que podava o meu crescer.

"[...]Permitiu-se sentir dor
Enquanto crescia o rancor
O horror de ser homem
O levou ao temor, pânico
Esqueceu que era gente..."


Esse é exatamente o sentido que inspirou a minha escrita: o horror. A visão de homem que me era imposta basicamente era composta de tudo que era averso ao que eu sou. Sou poeta: homem não sente. Sou escritor, fotógrafo: isso não garantirá seu sustento. Sou professor: não é profissão de homem. De certa forma sei que estou dentro de um parâmetro machista, mas demorou para eu conseguir perceber que dentro do meu espaço eu que decido os parâmetros.

Em "Manifesto" começo a deixar claro o meu rompimento com essa visão deturpada que me impuseram. Tive que buscar harmonia entre as minhas falhas e os meus acertos para compreender o meu propósito. Como ser humano eu não pedi para vir ao mundo, mas me foi entregue a habilidade de pensar, de ser racional. Mesmo que eu tenha que seguir regras não minhas, tenho a chance de questionar até mesmo a minha existência. Tive que aprender dentro da acusação e dos julgamentos a aceitar quem sou, o que fiz, de onde vim e para onde decidi ir.

"[...]Eu ainda não morri!
Respiro, suspiro e sinto
Existo e persevero
Mesmo que eu passe
Repasse e descompasse
Estou submetido a existir
A sorrir, gargalhar a dizer
O que penso o que sinto
A esconder o que pensei
A disfarçar que não gostei
Eu existo não por querer
Mas porque fui colocado aqui
Para crescer, cair e aprender
Para sofrer e provar do desprazer..."

Quando chego em "Fale de Mim" fica bem claro o meu grito de tanto faz. Quando escrevi esse texto portava exatamente a sensação de liberdade. Fora do conceito de ser humano perfeito que eu fui ensinado, conheci um mundo de recomeços. Hoje é possível me reafirmar gente e carregar as consequências das minhas escolhas. Eu sou o que decidi ser, mas também sou o que nasci para ser. Quando me reafirmei o jovem cheio de bagagem que pode errar e depois continuar, não teve mais ninguém que pudesse me dizer o contrário.

"Diz o que quiser de mim
Fale que sou louco
Que sou mais que louco
Que sou doente, demente, indigente
Fale o que vier na cabeça
Que sou pouca coisa
Que sou chato, dramático, antipático
Diga o que você pensa que vê
Pense o que for de mim
Mas se não quiser me conhecer
Fique longe de mim..."

"Outrem" é realmente um escrito que me causa muito orgulho. Esse orgulho que sinto não está relacionado a estética ou com a repercussão. Esse composto ainda segue parte da premissa anterior, mas ele é mais direto e escancara exatamente essa convicção sobre a pluralidade que compõem a minha identidade, a identidade de uma pessoa.

Clique aqui e veja o post "Outrem" completo.
"Outrem" além de falar sobre a minha composição, também faz menção a todas as projeções alheias que são lançadas sobre mim. Quando compus pensei claramente sobre deixar bem definido para quem quisesse saber que a minha construção como pessoa acontece mediante aos acontecimentos da vida e não se baseia sobre o que o outro pensa sobre mim.

"Outrem" foi um escrito lido para alunos de uma faculdade e saber que esse tema pode ser e deve ser tratado como parte importante para a formação de um jovem, me deixa realmente muito feliz. Subjetividade dentro do coletivo, um caminho bem democrático para a formação de pensadores.

"[...]Sou o tudo dentro do nada
A mistura do perder com ser
O que me querem de ruim
De viver o que me faz ruim
Sou a escuridão na luz
Que nunca reluz..."

Vou finalizar por aqui antes que o post vire um livro. Só quero deixar bem claro que não procurei explicar nenhum dos meus escritos. As interpretações são subjetivas e essa definitivamente é a importância que atribuo a cada um dos textos, fotos e vídeos que foram e serão compartilhados aqui no LM. Essa publicação é apenas um guia que decidi criar para poder situar as pessoas que estão chegando agora ao Limoções e para poder usar da minha condição de autor para apresentar os escritos que possuem uma importância fundamental sobre o meu crescer, além de fazer um certo balanço sobre a minha identidade. (Quem sabe não faço um segundo post... 👌)

Obrigado por ter lido até aqui. Interaja comigo. Você já teve que se reafirmar perante a algum aspecto da sua vida? Deixe seu comentário 💚💗💙

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