A FARSA DA MULTIDÃO QUE VESTE ALEGRIA

By Tiago Ferreira - 11.8.18

Lembra como eu gostava de me sentir vivo enquanto morria? Ainda sinto o gosto da morte em minha boca e lembro com nitidez da sensação de alegria que me tocava enquanto fingia que era imortal. Lembra quando tive que encher a cara para me sentir vivo? Ainda parece real o sentimento de alegria que exalava da minha angustia.

A realidade mandava o recado: você não sairá vivo. E eu ia correndo de encontro com a possibilidade de fantasiar a minha história e colocar emoção em cada passo que planejava. Era tudo pensado com antecedência. Não podia deixar vazar a informação de que eu sabia que estava morrendo, então fui construindo cuidadosamente cada sensação de amor e felicidade que lhe alcançava os olhos. Meus olhos fugiam dos outros olhares, mas nunca demonstrei fraqueza. O sentido de ser o intocável norteava cada um dos meus passos e - mesmo que eu balançasse - o vento não me derrubava. Lembra daquelas risadas espontâneas que aconteciam enquanto assistíamos ao por do sol? Então, era tudo parte do meu projeto de alegria.

Odeio ter que assumir que estava de mãos dadas com a morte e fingia que ela era viva. E se for verdade a minha relação de amor com o fim, o que poderia ser feito para me trazer de volta da sensação mórbida de sentir meu corpo sendo decomposto pelo tempo? Isso é a maldição que trago para a vida de quem decidiu estar de mãos dadas comigo. Nunca será possível saber se vivo ou se sobrevivo, e mesmo que eu estremeça diante da realidade, não creio que você consiga descobrir as minhas verdades. Eu estaria morto se não mostrasse para a morte que sorria.

E não quero que minhas palavras tragam ao mundo qualquer sentido de mentira. Não menti e nem fingi para alguém. Criei as minhas possibilidades de chorar sem soluçar, de me matar sem sangrar e de fazer acontecer a felicidade enquanto provava da infelicidade. Na real, coloquei o amor pela vida em primeiro lugar e tive que deixar o sentimento de pesar guiar cada uma das minhas esperanças. 

A minha capacidade de deixar subtendida a felicidade me trouxe ao centro dos holofotes e - mesmo que eu tenha tropeçado - não ouvi ninguém questionar meu bem estar ao me ver andando por aí de cabeça erguida. Você traz as pedras da acusação como quem tivesse se importado o suficiente para acreditar que tem o direito de invadir o meu oposto de realidade. Chegou com a lista de perguntas que todos sempre quiseram fazer - mas nunca tiveram coragem - pensando que me faria deixar de andar por aí com a minha cara de simpático. Você veio questionar meu bem estar depois de tomar sua dose de coragem e se esqueceu que eu sei atuar. 

Não quero que procurem em mim a minha depressão e não preciso que - depois de anos de interpretação - questionem a minha lucidez. Eu não derrubo uma lágrima que seja por quem acredita na minha tristeza e a partir de agora quero ver seu olhar desorientado alcançar meus olhos. Ainda sou mais um farsante dentro da multidão que veste alegria, mas eu escolho quando abrir espaço para a realidade. Ainda sou o rei coroado para trazer ao mundo o doce sabor da dor camuflada. E não adiante mais romantizar o meu caos porque já basta ter que ver na morte possibilidades de seguir a vida. Eu sou o dono das faces que trago ao mundo e não tente mais me transformar em problemas e ver no meu caos as coisas ruins que você e o mundo fingem não trazer na pele.



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