BLUESMAN

By Tiago Ferreira - 27.1.19

Bluesman é o segundo álbum de estúdio do negro Baco Exu do Blues lançado em 23 de novembro de 2018. Conheci esse trabalho em uma das minhas buscas por representatividade e fui arrebatado por tamanha obra de arte. Sou o tipo de pessoa que viaja por gêneros musicais e sou aberto ao novo, mas o rap conquista meu coração pela narrativa, pela mostra da realidade e valorização da vida. Te convido a tomar um cafezinho comigo, enquanto dialogamos sobre esse trabalho.



“Eu sou Exu do Blues
Tudo que quando era preto era do demônio
E depois virou branco foi aceito eu vou chamar de blues”

A primeira faixa do álbum traz em sua letra o motivo pelo qual esse trabalho nasceu. A canção resume a luta, a guerra e a história. Num tom mais agressivo - que remete a um desabafo - Baco vai atribuindo os devidos créditos das criações ou influencias afro na música. Ao decorrer do álbum isso vai ficando ainda mais claro com menções diretas a artistas percursores de gêneros musicais como blues, jazz, funk e soul. O cantor produziu um trabalho que vai mesclando todos os gêneros que cita em sua primeira faixa e cria um verdadeiro tributo.

"A partir de agora considero tudo blues
O samba é blues, o rock é blues, o jazz é blues
O funk é blues, o soul é blues"


A sequencia do álbum já causa uma certa surpresa sonora que quebra a expectativa de continuação da agressividade encontrada na primeira faixa. "Queima a Minha Pele" é uma canção mais melódica, com versos e estrofes cantados. A canção, segundo Baco, fala sobre a depressão. Não sei dizer ao certo o que sinto ao ouvir essa música, mas eu compreendi a proposta e senti a depressão em cada entrelinha.

"Fotografar o silêncio é tão difícil
Fotografar o meu medo é tão difícil
Fotografar a insegurança é tão difícil
Eu disfarço tudo com cigarro, cerveja e sorriso"


A melodia continua com a canção "Me Desculpa Jay Z" com uma letra que me arranca lágrimas. Baco passeia por uma série de desabafos psicológicos e estados de espírito trazendo uma música que consola e dialoga com a dor. Essa é uma das canções do álbum que mais mexe comigo.

"Tô entre tirar sua roupa e tirar minha vida
Procuro um motivo pra sair da cama e melhorar meu auto-estima
Quero Balenciaga estampada na minha camisa
Faculdade ou seguir meu sonho?
O que que eu faço da vida?"


"Minotauro de Borges" retoma a narrativa em seu tom agressivo. Voltamos para a tonalidade da primeira faixa. Baco levanta sua moral e grita seu valor em uma letra carregada de poder. Ele tira o minotauro - criatura dos contos - do labirinto e questiona sua prisão e a veracidade do seu antagonismo. Cita a depressão como uma espécie de combustível ao mesmo tempo que questiona a morbidade da poética encontrada na dor.

"Bebo da depressão, bebo da depressão, bebo da depressão
Vivo a depressão (bebo sim, sempre, todo dia)
'To me acabando por inteiro
Você me mata ou eu me mato primeiro"


Em "Kanye West da Bahia" a narrativa ainda continua focada no poder. Orgulho e história parecem ter sido a principal fonte de inspiração para a criação da letra. A produção da faixa mescla a agressividade com a melodia dando ao som uma profundidade importante. Baco grita sobre o poder e também menciona a desconstrução dos rótulos e esteriótipos que perseguem os pretos pelo mundo.

"Meus ancestrais se banhavam com ouro
Olhe bem pra minha pele, ela reluz, seu tolo
Para no posto pra comprar um Marlboro"

"Eu não abaixo a cabeça, não vou te obedecer
Ser preto de estimação não, eu prefiro morrer
Sinhozinho eu troco soco nunca fui de correr
Feche os olhos eu vi Deus nascer
Eu me vi nascer, eu te vi nascer"


Chegamos em "Flamingos" e sentimos a paz que a faixa apresenta em quesito melodia. A participação da banda Tuyo agracia a composição e me enche de paz. Baco volta a tratar dos aspectos psicológicos numa espécie de poética romantizada. Me identifiquei de uma forma que nem sequer consigo explicar.

"Me deixe viver ou viva comigo
Me mande embora ou me faça de abrigo"


"Girassóis de Van Gogh" vem ilustrando a impossibilidade de amanhã que o sentimento de dor apresenta em quem é vitimado pela depressão. É uma verdadeira descrição dos altos e baixos emocionais que ocorrem dentro de cada ser. A canção tem uma melodia bem suave e uma letra bem certeira e direta. Sei que soa como mais um desabafo emocional que romantiza a dor, mas aqui Baco parece explorar a interpretação subjetiva de cada interlocutor.

"Não quero mais dormir do seu lado
Prefiro ficar acordado
Guardando seu rosto pra lembrar de você
Lembrar de você, lembrar de você"


"Preto e Prata" é a canção em que Baco parece ter a sensação do poder de sua voz e de sua letra. O tom de agressividade é retomado para remeter ao poder e a letra não faz um caminho diferente. Eu considerei essa canção uma das mais importantes do conjunto da obra. Nunca é pouco falar sobre o poder do preto e os versos encontrados aqui dizem exatamente isso. No quesito produção musical, a sacada está na voz do cantor sendo mesclada ao instrumental. É foda!

"Nós vive pela prata tá-tá-tá tá-tá-tá
Nós mata pela prata tá-tá-tá tá-tá-tá
Protegemos a prata tá-tá-tá tá-tá-tá
Nós negros somos prata tá-tá-tá tá-tá-tá"



Senhoras e senhores, chegamos ao fim desse trabalho com "BB King" e o tom continua empoderado. Baco traz o poder e o romance nessa faixa como se fizesse um balanço de sua trajetória. Como se não bastasse a canção, ao final o monólogo interpretado por Lucas Andrade e escrito por Exu do Blues finaliza com tamanha maestria o significado desse trabalho.


"A primeira vez que um homem branco observou um homem negro
Não como um um "animal" agressivo ou força braçal desprovida de inteligência
Desta vez percebe-se o talento, a criatividade, a música!
O mundo branco nunca havia sentido algo como o blues
Um negro, um violão e um canivete
Nasce na luta pela vida, nasce forte, nasce pungente
Pela real necessidade de existir!"


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Eu não tenho palavras para descrever como esse trabalho mexeu com o meu pessoal. Cada verso conseguiu tocar partes especificas da minha personalidade, do meu psicológico e da minha negritude. Me vejo como bluesman, me identifico com as letras de Baco e me sinto arrebatado pela sinceridade. Tem se tornado mais comum encontrar negros com tamanha representatividade, mas o que esse trabalho apresenta é algo além.

Me sinto presenteado com as inspirações dessa breve critica. Fico feliz por ter conseguido escrever um pouquinho do que senti ao ser tocado. Você conhecia o trabalho do Exu do Blues?

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