REBOCADO

By Tiago Ferreira - 24.1.19


Enfim, aprendemos com os nossos erros e acertos, e agora descobrimos como funciona o cair. Demorou bastante para alcançarmos a compreensão de nós, ou pelo menos aceitarmos que não nascemos para ser compreendidos. É como se todo o percurso fosse redundante e nos conduzisse para o mesmo sofrer com o objetivo de nos fazer enxergar o que antes não era visto. Sei que parece complicado, mas é simples de compreender se você olhar um momento para trás.

Passei um longo tempo sendo rebocado pela esperança que nem sequer tive a oportunidade de ver as sementes que iam caindo de mim ao decorrer de cada passo. O amor me empurrava para percepções que eu não fazia questão de ver, enquanto que a esperança continuava rebocando meus sonhos. É meio esquisito pensar que eu tinha sementes de árvores frutíferas e boas, logo eu que sempre pareci um poço de desesperança. Não cultivei muito mais que meia dúzia de sementes, e nem cogitei ser dono de uma plantação de novas possibilidades. Ainda me pego olhando para tudo que deixei cair ao decorrer do caminho e vejo bem o que era frágil se desmantelar no chão. Ontem mesmo eu me via na mesma condição de incerteza e sentia meu estômago revirar, mas hoje me vejo na condição de incerteza e simplesmente considero normal o temor. Não é tão normal fazer esses balanços de mim, mas sei que algo me rebocou até onde estou agora. Não sei se foi apenas a esperança, mas me lembro de algo insistindo em me deixar no ponto de partida.

E meu atual ponto de partida é diante do espelho. Aqui estou eu mais uma vez procurando o que mudou, o que morreu e o que me deixou. Não me sinto ansioso e nem mesmo receoso de me encarar, mas não tenho tanto folego quanto antes para seguir analisando cada detalhe de mim que reflete no espelho. Me vejo ali parado e cumprimento cada um de mim que já esteve naquele mesmo lugar a me olhar. Todos nós fomos trazidos até o reflexo. Não importa se foi na dor ou na alegria, fomos trazidos até aqui para sermos além da existência. E todos eles que me olham agora são tão reais quanto o que me trouxe até aqui hoje. O que deixei cair ao decorrer da estrada também reflete no espelho. Vejo uma gama enorme de coisas se desprendendo de mim. Vejo os espelhos que quebrei quando meu reflexo não foi aquilo que esperava ver. Não me sinto cansado de voltar o meu olhar para trás - jamais me cansarei de ver o que fui me olhar lá de cada ponto de partida. Somos tantos e tão marcantes. Sou um só diante do espelho.

Enfim, aprendemos a não rejeitar o reflexo. Não aprendemos a conviver com o que é refletido, mas reconhecemos o valor de cada antiga possibilidade que se reflete nas perspectivas de tudo que passou. Somos um único inteiro de milhares de projeções e nossa singularidade reflete em cada pedaço de espelho que está no chão. O caminho é nosso. O que vimos diante do espelho não podem ser apenas fantasmas. Cada reflexo é real.

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