QUEM VENDE A NOSSA HISTÓRIA, QUEM COMPRA NOSSA SATISFAÇÃO PESSOAL, QUEM AVALIA NOSSA PERFORMANCE DIANTE DE CADA BATALHA TRAVADA?

By Tiago Ferreira - 29.7.19



A tendencia hoje é disputar quem carrega a maior dor, quem tem a história com mais batalha, quem morreu mais vezes, quem ressuscitou, quem sacrificou sonhos e abdicou de conquistas por medo de dar um passo além da dor. Seguimos disputando quem tem mais fé, quem conseguiu permanecer mais tempo em pé e quem não cedeu ao medo do amanhã. Disputamos o valor de cada cicatriz enquanto o mundo desmorona. Duelamos o preço da resistência e deixamos de atribuir significado ao existir.

E ainda não é possível ouvir a voz de quem escolheu não ceder ao pódio da dor. Não é possível ver quem foi que deixou a competição para ser verdade, para ser luta e não cicatriz. A maldição da guerra é deixar seus militantes com sede de exposição, todos querem contar a intensidade da sua tragédia, querem expor o sangue que foi derrubado, enquanto o foco era se salvar das atrocidades do mundo que desmoronava do outro lado da realidade. Até mesmo aquele que ainda não aprendeu a lição que sua dor pode conter, já comemora ter sofrido mais que outrem. O mesmo sentimento de alívio que alcança aquele que venceu, faz da vitória uma vitrine de arrogância, uma arma contra a humildade e coloca na condição de cego aquele que ainda não descobriu que o fim de uma luta abre espaço para novos chãos serem pisados. A prepotência grita ao mundo que seu caminho foi sangue, foi flor, foi dor, foi sorriso, foi história comercializada.

A opção ainda parece a mesma: ou você se salva ou finge que venceu a guerra que perdeu. Não parece fácil alimentar a vontade de ser vencedor, enquanto o cansaço vai desconstruindo a armadura que fora forjada pela expectativa, pelo orgulho, pela alma ressabiada. O guerreiro segue lutando sozinho, sangra sem ninguém ver e ainda acredita que sua vida será exposta como mérito de sua vitória. Vencemos por quem? Por nós mesmos ou para provar algo a outrem? Quem vende a nossa história, quem compra nossa satisfação pessoal, quem avalia nossa performance diante de cada guerra travada? Qual a razão de cada lutador ser rival se todos lutamos pela sobrevivência? Transformamos a luta em arma ou em algo que deve ser comercializado?

Não se escuta mais falar sobre os ensinamentos da dor, ou sequer é possível ouvir questionamentos sobre sua legitimidade. Os guerreiros que travam batalhas para serem vistos como gente devem se odiar? O seu caminho foi mais dolorido que o meu, a minha lágrima foi sangue e a sua não, suei mais que você, fui ferido, fui desmontado, fui vencido. Se o objetivo éramos vencer diante dos obstáculos para alcançar qualquer que seja o premio, por que não vemos a luta do outro como nossa? A tendencia é de fato guerra contra guerra visando o mesmo objetivo. Todos querem ser vistos, querem ser respeitados, ser admirados e reconhecidos pelo caminho que foi trilhado. Ninguém quer abrir mão do papel de estrela que a luta, a batalha, a dor e o sofrimento oferecem para aqueles que jamais foram alcançados pelo poder da empatia. Estamos vivendo uma competição para premiarmos aquele que conseguir ter a vida mais sofrida?

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