resSIGNIFICAR

By Tiago Ferreira - 18.8.19


Quantas foram as vezes em que tive que passar pelo dragão, transitar entre a luz e a escuridão, me fazer alegria enquanto não sorria. Quantas foram as vezes em que o amanhã ainda doía quanto o ontem e nem sequer a alvorada era capaz de expulsar o medo, iluminar a estrada. Já fiz diversos planos para o amanhã, já escrevi pensando no amanhã e já acordei sendo a ilusão que escrevi para o amanhã. Já pensei em ser escritor famoso, fotógrafo reconhecido e algo além de tudo aquilo que vivenciei. E se tudo não passar de ilusão e o amanhã amanhecer fracassado, será que eu ainda consigo encontrar o chão para caminhar? Se as palavras não forem mais capazes de curar, de cicatrizar, de tocar, de significar ou se elas simplesmente deixarem de falar, será que ainda será possível ressignificar?

Não dei valor para o peso que o horror atribuiu aos passos que dei enquanto vivia perdido pelo anteontem e nem dei ouvidos para as vozes que ainda ecoavam ao longe do meu horizonte de batalhas. A estrada é cheia de detalhes que passaram despercebidos, ficaram ocultos no meio de tantas discordâncias. Ainda não encontrei o verdadeiro sentido da palavra "desistência", mas deixei de buscar o valor contido no meio da raiva que me alcançava em todos os amanhãs que tive medo de enfrentar. Eu sei que a poesia ensina o valor da resignação, mas não posso mais fingir que vivo a ilusão de que os olhares que me cercam entendem o significado de cada fracasso que vivenciei. Eu já duelei ao lado de sentimentos que doíam mais do que eu podia suportar, já fiz guerra quando deveria aproveitar a vitória e já fracassei miseravelmente tentando descaracterizar o valor da minha trajetória. Afinal, as ilusões que cultivei são sinônimos dos martírios que fiz por merecer?

Já fui manipulado, fui usado, fui descartável. Fui antônimo de herói, e quando a história se aproximava do fim me arrancavam o protagonismo, me tiravam a imagem de bom moço. Hipocrisia, ironia e culpa já foram fantasias, já compuseram o enredo de diversos amanhãs. As linhas que escrevi já foram usadas para me difamar e os textos que compus na dor ainda escancaram o desabafo que não pudi verbalizar. A poesia transforma, assim como a fotografia emoldura a alegria. Eu fui me decompondo ao decorrer de cada combate e ainda estou concretizando o papel que me escalei a viver. Ainda sou protagonista, ainda sou fotógrafo, ainda sou poeta, ainda sou escritor, mas agora estou vivendo a realidade.

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