SUSTENTO AS MINHAS PALAVRAS

By Tiago Ferreira - 7.2.20


Falo para quem ouvir? Quem está prestando atenção nas minhas palavras? Quem me escuta? Quem me interpreta? Já vi o mundo continuar a girar depois do caos e já tive a chance de vivenciar o descaso alheio. Ninguém se importa com a voz que ecoa, com a vibração de cada silaba e com a entonação de cada acentuação. O mundo seguiu seu curso depois que tudo parecia não ter sentido. O sol brilhou após tudo ter desmoronado. Muita coisa não foi levada em consideração, então já vi a voz ser silenciada pela frustração. Nada parou de acontecer depois que desisti de viver. Quem me ouviu dizer que a alma barata morria ao final de cada bendito dia? Quem me ouviu dizer que a estrada estava solitária demais? Quem me ouviu dizer que a dor já não doía mais? E foi vendo o mundo seguindo seu curso que a realidade incompreendida das palavras - que saiam da minha boca - me fizeram vilão. Mesmo descrevendo o horror em voz alta, fui preenchido pela malícia de quem se fingia de surdo. Fui das palavras ditas para as palavras mal interpretadas, mal recebidas, mal encaradas. Quem me incentivou a dizer a verdade? Parece que as palavras que pronunciei não passaram de isca. Pesquei a interpretação deturpada de quem fingiu atribuir importância para a minha voz.

Quem lê o que escrevo? Quem faz das minhas entrelinhas uma gama de impossibilidades? Escrevo para quem? Qual é o valor das palavras que foram barateadas pelos sentimentos depositados em cada composição? As palavras que fui depositando por aqui parecem tecer uma história de vitória, então parece que fui vencendo cada infortúnio dessa longa jornada. As palavras que fui depositando por aqui descrevem todas as vezes que caí e permaneci em pé, mas não parecem importantes o suficiente para serem guardadas por quem chega até aqui. Fui bebendo veneno, fui bebendo depressão, fui bebendo melancolia e fui me tornando o oposto do fracasso, mesmo sendo lido por olhares desatentos. As interpretações que deixei por aqui abrem espaço para a minha vitória, mesmo que meus passos sejam descritos como insucessos. Eu vi olhares dissimulados mudarem o tom das minhas histórias e transformarem as minhas vitórias em meras baboseiras frutos da dor. Estou imortalizado por toda palavra que tomei como minha única verdade, então que seja verdade toda mentira que existe além de cada palavra minha. Transbordei quando precisei transbordar, mas escrevi quando não tinha forças para falar. Desisti quando não consegui mais perseverar, mas contei minha verdade para quem leu as histórias que escrevi.

Depois que a morte tirou de mim o que não me era mais útil, fiz da dor fonte de inspiração e tornei minhas cicatrizes chamariz para curiosos. Sustento cada palavra que compus ao decorrer da jornada, mesmo não tendo a certeza de que serei compreendido. Outrem já me fez viajar de vítima a vilão, me deu a chance de ser o certo e o errado, me fez ser brilho e me fez ser apagado, me deu a chance de fugir depois de me manter em cativeiro. Estou deixando livre a interpretação das minhas palavras, pois já não me importo com a compreensão que me foi negada. Eu venci como vilão da minha história, então me parece suficiente que meu castigo seja conviver com a incompreensão.

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