CONCEDO-ME

By Tiago Ferreira - 20.3.20


Não existe discurso positivo que cure a ansiedade que se apresenta diante do fim. Nada pode conter a vontade de terminar a sentença, o desejo de usar a exclamação e a necessidade de acrescentar um ponto final em toda oração que acontecia por obrigação. Aparentemente, tem se feita necessária a necessidade de deixar de lado os esclarecimentos e as justificativas sobre o que acontece hoje, sobre o que aconteceu ontem ou sobre o que acontecerá amanhã. Nada parece ser justificável diante do desejo de finalizar o que sem escolha foi iniciado. Não dói, não machuca e nem traumatiza fazer valer o que a ansiedade determina como prioridade.

E o que se vê na atual conjuntura da situação? É possível concluir que aquilo que merecia ser construído foi terminado, que aquilo que merecia ser dito foi devidamente falado e tudo aquilo que necessitava ser esquecido foi justificavelmente abandonado. A urgência que permeia a necessidade de finalizar o que se apresenta como não finalizado emerge como um novo sonho. Está evidente que a coragem conseguiu ser maior que todos os demais agouros e que foi próspero o caminhar de quem fez questão de se desfazer de si. Agora, depois de seguir a calmaria imposta pela necessidade de se fazer inteiro, existe um certo desejo de se manter apenas em pé, de se ficar onde está, de apenas parar de falar, de apenas apreciar o que o olhar alcança e de conhecer tudo aquilo que foi se fazendo real ao decorrer de cada pontuação, de cada parágrafo, de cada página. Houve a materialização dos medos e a progressão dos sonhos que seguiram sendo cultivados. Houve momentos o suficiente para uma coletânea de histórias, assim como houve a somatória de todas as experiências alcançadas a cada nova linha. Está tudo validado, revisado, arrumado e guardado.

O que se caracteriza como urgência hoje, já foi interpretado como medo. Os gatilhos não doem mais. As músicas que antes eram evitadas, agora tocam como sinal de que a paz não é um objetivo. As fotografias que foram arquivadas, agora estão expostas como sinal de que a dor precisou ser sentida. As palavras que antes eram evitadas, agora são pronunciadas como sinal de que é necessário dar ênfase ao que se fez histórico. A negação encontrou espaço próprio, assim como todos os traumas foram encaixados em seus lugares de governança, de poder. Existe a necessidade de parar de anular o que se é sentido, de deixar fluir o que vem de dentro, de se deixar reagir, de viver a realidade, de se filtrar menos. A trajetória foi capaz de esgotar todos os recursos de alegria, de esperança, de fé e de amor, mas ainda segue em pé o corpo que colheu o que plantou, que semeou o que conseguiu e que durante muito tempo se impediu de não ter filtros.

Não existe mais necessidade para receios. Vivemos o que nos entrega a vida, então concedo-me o direito de viver o que obtive até aqui e de finalizar tudo aquilo que já não me cativa mais a cultivar.

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