BARGANHA

By Tiago Ferreira - 20.4.20


Lembra daqueles arco-íris que desenhei para ilustrar aquelas páginas de alegria que escrevi em um dia típico de verão? Então, para seguir lúcido e forte, tive que queimá-las, tive que utilizá-las como combustível para seguir, para prosseguir, para resistir. Os dias de não alegria agora se materializam de maneira sóbria e real. As páginas que te mostrei, ricas em detalhes e em cores, agora já não passam mais de lembranças e, aparentemente, já sabíamos que eu teria que escolher sorrir ou sobreviver. Não consigo lembrar com clareza o momento em que me vi sem alternativas e já nem sei mais se aquela balança que você me deu de presente tendeu para o lado que me colocaria na situação que estou agora. Sinto que não tive escolhas, independentemente de você considerar o contrário.

Eu andaria em cacos de vidro, eu apanharia, eu seria torturado, eu desistiria de mim e abriria mão dos meus sonhos para sustentar a minha realidade. Já cheguei a mensurar o valor de tudo que carrego, assim como já escrevi sobre tudo que me é atribuído em cada passo que tenho que dar. Não tenho a obrigação de justificar minhas decisões, mas sinto que deva compartilhar como foi a sensação de ver tudo que desenhei queimar. Como num típico dia de incerteza, guardei tudo que tenho de mais precioso bem perto de mim. Assegurei que meus tesouros estivessem seguros, estivessem protegidos e completamente blindados. Como num típico dia de dúvidas, aguardei o medo mostrar sua face, exigir seus direitos e ditar suas condições. O medo gosta de barganhar, gosta de ter a certeza de que está no comando. Caminho um passo por vez sabendo que os caminhos da vitória pertencem ao medo, ao pavor, ao horror. Caminho um passo por vez sabendo o valor da alma barateada, conhecendo as dificuldades impostas, sabendo dos riscos de sabotagem, temendo as armadilhas, as investidas, as tentativas e as ameaças. Conheço o tom da barganha e sei que o preço é alto.

Nunca tive muito a oferecer, tenho sobrevivido com o suficiente e alcançado algumas metas de tempos em tempos. Mas, depois de aprender, passei a coletar meus pequenos tesouros para juntá-los em um pequeno acervo, para atribuir suas devidas importâncias, para guardá-los e protege-los. O que é precioso para mim, anda junto de mim. Lembra daqueles arco-íris que desenhei para ilustrar aquelas páginas de alegria que escrevi em um dia típico de verão? Então, elas já não existem mais. O medo parece ter um pacto sagrado com a alegria, então, para não permitir que minhas páginas fossem arrancadas de mim, ateei fogo em todas elas. A alegria também sabe barganhar e, assim como o medo, cada arco-íris daquele foi desenhado depois de ter pago um preço bem alto. Não consigo lembrar com clareza o momento em que me vi sem alternativas, mas sigo inabalável e nem um pouco que seja mais pobre.

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