SE RESGUARDOU NO SEU TEMPO

By Tiago Ferreira - 24.5.20


Você flerta com a possibilidade de ter o tempo ao seu favor. Tem a chance de dar cada passo cuidadosamente, de dizer cada palavra pensada, de levantar todos os critérios e de avaliar todos os possíveis cenários. O tempo foi comprado por você e agora são completamente suas as possibilidades que eu deixei de almejar. Os segundos em que eu via todas as minhas opções se tornarem vias de dor deixaram de justificar minhas ações. O tempo te resguarda e você transformou essa possibilidade na sua principal arma de sobrevivência.

As horas foram rapidamente se esgotando naqueles dias em que eu só tinha o meu descompasso como aliado. Os dias foram se abreviando naquelas batalhas em que tive que me obrigar a ser soldado. Treinei para batalhar enquanto vivia uma tragédia discretamente anunciada. No meu caos você não fez morada. Se encolheu nas possibilidades de proteção que te pertenciam e, enquanto eu aprendia a lutar, foi aprendendo a captar as lições que via me serem aplicadas. A observação é uma dadiva e é um método pedagógico seguro de se aprender. Seu tempo foi didático, foi piedoso, foi terno e cheio de metodologias embasadas na sua própria segurança. A realidade que me acompanhava não te alcançou e os dramas que roteirizavam a minha estadia pela vida não te cativaram a atuar. Raramente tive a chance de ser o observador, de estar em alguma platéia, de analisar qualquer coisa que não estivesse relacionada ao meu caos, de apenas curtir o momento, de apreciar a apresentação e de analisar uma performance que não fosse minha.

Saindo do seu compasso para se aventurar ocasionalmente pelo descompasso que me rodeava, você se permitiu sangrar somente o necessário. Viu desmoronar construções imponentes, mas se escondeu atrás da impotência - seguia aprendendo. Ouviu ruir os sonhos importantes, mas preferiu não intervir de maneira direta - seguia aprendendo por onde não trilhar. Presenciou o assassinato da esperança, mas escolheu não ter forças para enfrentar a desesperança - seguiu aprendendo sobre a importância de se ter fé. Se a empatia foi o único elo entre nós, eu diria com segurança que você me deu o que pôde, mas não conseguiria assegurar que se fez tudo sem deixar qualquer tipo de ressalva. Nunca pensei em questionar o seu direito de telespectador, sua alternância constante entre narrador personagem, narrador observador e narrador onisciente. No meu tempo você encontrou seu compasso. No meu drama descompassado, você encontrou seu tempo.

Hoje, ainda não estou na plateia, mas consigo ver determinados momentos em que você corria da chuva para não se molhar. Não consigo problematizar qualquer uma das suas decisões. Não consigo questionar seu silêncio. Esses momentos, em que sou capaz de ver com calma o hoje, também me mostram tentando sobreviver na intensidade, na importância, sobreviver ao agora e da posição em que eu estava, porém também evidenciam você se ausentando de propósito. Enquanto a causalidade marcava a minha pele com cicatrizes que jamais desaparecerão, você viveu seu próprio drama. Dramatizou os meus pontos de fracasso diante de nós e, enquanto eu corria para te trazer para perto, foi colaborando para que eu mesmo me sentisse vilão.

Minha vilania não respeitou seu tempo, não me deu tempo de ter empatia pelo seu drama, não me deu tempo de ouvir o que você tinha a dizer, não me deu tempo de ver que você aprendia a sobreviver, não me deu tempo de apenas contar com seu apoio e não me deu tempo de ter o direito de não te pedir desculpas. Seu tempo resguardou cada um dos seus passos, mas me fez flertar com o fracasso. Me desculpei por erros que não cometi consciente, me desculpei por tragédias que nem sequer planejei e me obriguei a aprender novamente o meu lugar diante das suas possibilidades. Seu tempo te protegeu, mas não teve o cuidado necessário para zelar pela integridade daqueles que estavam somente tentando permanecer em pé ao seu redor. 

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