EU NÃO TE CONHEÇO

By Tiago Ferreira - 16.6.20


Tiago

Meus estilos musicais não são definidos, felizmente. Transito pelos gêneros com muita alegria, curiosidade e sem qualquer sentimento de discriminação. Aqui no Limoções costumo a falar sobre canções, artistas e trabalhos dos mais diversos sons. Durante esse período em que venho tentando assegurar a minha segurança e daqueles que amo, encontrei força e coragem em inúmeras canções. Também fui alcançado pela poesia, então mergulhei nas possibilidades de interpretações. Penso da seguinte maneira: se me serviu, preciso mostrar ao mundo.

A sobrevivência é uma causa que alcança e motiva a vida de muitas pessoas, e comigo não é diferente. Há pouco tempo comecei a aceitar a tristeza como parte integrante da minha causa, mas, entre acertos e erros, ainda tenho que enfrentá-la para conseguir permanecer em pé. A força, assim como a luta, é algo subjetivo. A subjetividade, por definição, é a "realidade psíquica, emocional e cognitiva do ser humano, passível de manifestar-se simultaneamente nos âmbitos individual e coletivo"¹. Sendo assim, vestindo as possibilidades contidas em cada interpretação de estrofe, em cada interpretação de verso e na composição visual e melódica de "Não Te Conheço" - do grupo Tuyo - é que discorro esse fragmento de hoje.

"Mão direita no ventre e a esquerda no peito / Eu abro e fecho os caminhos em mim"

A luta cotidiana pareceu mais acentuada durante o isolamento social. É claro que inúmeros desafios se levantaram nesse período e muita força teve que ser cultivada e canalizada, assegurando minha estabilidade espiritual, emocional e psíquica. Redescobrir as minhas limitações durante esse processo se tornou essencial para saber até onde eu conseguiria me obrigar a seguir. Apesar de ter certeza de que sou capaz de fomentar a força que desconheço, ou pelo menos aquela que não tenho acesso com facilidade, passei a ter noção das minhas limitações como ser humano. Já estava desenhando a minha condição de humanidade, estava definindo como iria conviver com as minha fragilidades e como a minha humanidade se portaria diante das dificuldades. Tornei-me ainda mais capacitado a explorar as possibilidades e impossibilidades que apresento ao mundo, assim como comecei a vê-lo como uma fonte infinita de coisas que não sou capaz de controlar. Talvez, pelo menos agora, eu me considere forte o bastante para me enxergar simplesmente como humano. Também aceitei que não sou obrigado a entender toda beleza que existe em mim.

Jade

Muitas vezes me peguei pensando “Por que que isso teve que acontecer desse jeito? Por que sempre comigo?”. Já passei - e me meti - em situações das mais desconfortáveis e estranhas possíveis. Não tirando a minha responsabilidade, mas é que tem coisas que a gente simplesmente não escolhe passar. Se há algum deus me provando, algum universo conspirando, algum mau olhado prevalecendo, eu não sei, nem quero saber. Nesse período de isolamento, passei por uma situação estranhíssima que me acometeu várias mudanças rápidas. Senti medo todos os dias até me livrar daquela situação. Foi quando conheci essa música e ela me caiu como um mantra perfeito. Eu podia não ter escolhido estar dentro daquela situação exterior, mas, certamente, poderia tomar as rédeas do que se passava dentro de mim.

"Eu não perguntei o seu nome / Eu não te chamei aqui / Eu não te pedi um pedaço / Eu não te conheço"

Tiago

A tristeza não me escolheu por mérito do acaso. A tristeza não tem poder de escolha. A tristeza é finita. Aceitei sua permanência durante a pandemia - e durante a minha existência nessa vida. Vivemos em constante descoberta, vivemos sempre em regime de troca e estamos aprendendo um sobre o outro a todo momento. Enfrento a tristeza que reside em mim para conseguir transformá-la numa fonte de força. Defronto sua natureza limitante todo o amanhecer e disputo o ar puro da manhã com sua fórma apática. Não compreendo por completo ainda a força que a adversidade provoca sobre mim, mas sei que sou capaz de drenar da angústia a força de que preciso para não deixar de sobreviver.

Jade 

Repetir para mim mesma “eu não te chamei aqui, não te pedi um pedaço, eu não te conheço” me fez voltar a habitar a minha pele e expurgar o medo que havia entrado em seu lugar. Eu não escolhi estar aqui, mas como não tive escolha, poderia repetir a mim mesma que eu retomaria as rédeas da minha psique: “Eu abro e fecho os caminhos em mim”. Como um verdadeiro mantra, essa música foi meu ponto de paz em meio ao caos que eu me encontrava. Esse é o poder da arte, criar novas possibilidades, proporcionar ajustamentos criativos. Delimitar ao medo o seu lugar e retomar minha consciência fez nascer a coragem que eu nem sabia que eu tinha em mim.





¹[HOUAISS, Antonio, VILLAR, Mauro S., FRACO, Francisco M. de Mello. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001]

  • Compartilhe:

VEJA TAMBÉM ESSES DAQUI

0 comentários