OS FRAGMENTOS DA QUARENTENA

By Tiago Ferreira - 15.6.20


Jade

Faz dez anos que eu vivo uma grande amizade. Também me parece que há mais dez anos nesses dez anos. Eu e Tiago nos conhecemos num contexto completamente diferente que nos vemos hoje. E ele sempre foi assim. Apaixonado por suas causas, completamente competente e eficaz, ávido, polêmico e incômodo. Incômodo porque ele instiga as pessoas a saírem de suas posições confortáveis e refletirem, agirem. Vejo ele como um homem da ação. Ele tem várias virtudes importantes, uma delas é que ele é corajoso. Sempre brincamos que nossas vidas poderiam facilmente virar um filme de drama, mas também um siticom. O Limoções é a prova de que a vida dele é uma série de 20 temporadas, com 40 episódios cada. Mas o mais importante é que ele sempre segue firme, com muita coragem.

Além de dar conta dos seus próprios problemas, seu altruísmo não o deixa descansar em paz. Ele sempre está envolvido em projetos ou ajudando os amigos. Recentemente, eu tive que me mudar de casa e não tive muito com quem contar. Até hoje não sei como foi possível fazer uma mudança tão rápida, mas foi ele quem estava lá comigo: Carregando móveis numa escadaria infinita, esfregando o chão embolorado, tapando os buracos da parede, empacotando as coisas, desmontando os móveis. De quebra, ainda me trazia um pão de mel para o café! rs. Por que ele é assim, ele tem uma fonte inesgotável de energia. Enquanto eu já estava entregue ao cansaço, ele estava cantando e brigando comigo por eu estar sentada. 

Não bastando ser tão competente, ele é uma das pessoas mais sábias que eu conheço. Enquanto eu chegava com a farinha das minhas reflexões e auto análises, ele já voltava com o bolo de, pelo menos, cinco posts aqui falando do mesmo assunto, há muitos anos atrás. Pode parecer que estou fazendo uma Ode ao Tiago aqui nesse post, mas preciso expressar de alguma forma a minha admiração por ele. 

Dessa admiração nasce a vontade de poder compartilhar algum projeto em comum. Foram poucas as vezes que criamos algo juntos e confesso que foi por causa da minha falta de coragem. Falta de coragem de encarar meus demônios através da escrita, de quebrar essa barreira do perfeccionismo. Mas espero que eu possa absorver um pouco de suas virtudes e seguir em frente. 

Esse projeto nasceu da nossa cumplicidade e cooperação em meio a uma pandemia que trouxe perdas sociais, financeiras e psíquicas. Em meio ao caos, nos agarramos a nossa amizade para sobreviver ao dia a dia. Foram tantas mensagens trocadas, tantas ligações e momentos, mesmo separados, que não poderiam passar em branco. Nos agarramos ao nosso poder de criar novos mundos através da escrita, da arte, para sobreviver a essa realidade devastadora em que vivemos. Biologicamente e politicamente. Assim, oferecemos o nosso melhor para que alguém possa se sentir melhor e acolhido através de um dos nossos textos. Em tempos de ódio, façamos amor com a arte!

Tiago

Minhas investidas pelos caminhos da vida sempre foram marcadas por características únicas a cada respectiva fase. Iniciei e finalizei ciclos, assim como já abandonei diversos outros que permaneceram inacabados. Ao decorrer desse caminho, semeei inúmeras possibilidades, colhi diversos frutos e segui cultivando sentimentos importantes. Considero relevante fazer esses balanços vez ou outra. Gosto de sentir que sou consciente dos passos que dei e que tenho a plena certeza de que a maioria das minhas investidas foram construtivas - nem sempre seguras, mas consideravelmente proveitosas.

Enquanto passava tempo construindo e/ou desconstruindo tijolo por tijolo, subindo ao mais alto que podia e caindo do mais alto que consegui chegar, enquanto caminhava com um prego enfincado no meu pé ou perseguindo sonhos não meus, eu tive a chance de não estar completamente sozinho. Costumo não dizer que meus caminhos se cruzaram com os caminhos das pessoas que tenho ao meu lado hoje. Depois de determinado tempo, escolhi acreditar que cada um segue seu próprio caminho, assim como cada um vive o seu próprio tempo, seu próprio descompasso. Tenho firme dentro de mim o fato de que eu caminhei meu caminho enquanto vi outrem trilhando seu próprio percurso. Foi nas pequenas e grandes discrepâncias de realidades, de lutas, de momentos, de considerações, de capítulos e de atitudes que se criaram os vínculos. Tenho ao meu lado, por puro privilégio, pessoas que compreendem a importância de cada momento em que a identificação ou a empatia foram perpetuadas na mais pura essência do amor.

Cultivo meu jardim de histórias com a plena certeza de que o tempo não parou, mas sem deter tanta certeza da sua cronologia. Cultivo meu jardim de conquistas certo de que caminhei sem estar só. Cultivo meu jardim de vitória admirando os frutos que colhi ao decorrer da jornada. Cresci árvore forte, com raízes profundas. Cresci árvore forte, com frutos que foram se definindo diante de cada nova impossibilidade. Cresci árvore forte, num pomar, rodeado de outros frutos, de outros ornamentos, de outras infinitas composições. Fui regado pela vasta gama de possibilidades, pelas inúmeras metamorfoses do amor. Em tempos - como o que vivemos hoje - em que não se é possível materializar aquele amor invisível, sem forma e sem definições por natureza, é necessário considerar se sentir árvore livre no pomar.

Há pouco tempo, questionei os frutos do amor, mas, da janela de casa, concebi a definição intrinsecamente contida na amizade.
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Com alegria e satisfação apresento hoje, junto da minha amiga Jade Tresca, o projeto "Fragmentos da Quarentena". Nossas empreitadas pela vida renderam histórias, perspectivas e experiencias que precisam ser compartilhadas. A partir daqui o Limoções se torna vitrine de fragmentos que foram tecidos cuidadosamente como pano de fundo em período delicado para a vida de todes nós. As publicações desse projeto serão carinhosamente arquivadas na tag Café.


"Para não esquecermos daqueles dias de sol..."

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