Depois de alcançar a consciência do ser, preferi deixar de ser. Não sou o que esperavam, não sou o que queriam, não sou o que precisavam que fosse, não sou o que esperavam ser, não sou o que imaginam ser. Caminhando sempre do outro lado da calçada, eu sou a solidão que se teme ter, sou o olhar de cansaço que preferem evitar, sou o silêncio que machuca quem precisa constantemente falar. Eu sou o que ninguém quis ver, sou o contrário do que projetaram, falo ao contrário do que precisavam ouvir, escrevo o que evitam ler. Estou no topo do meu querer, esperando ser apenas o que não planejei ser. Não tive o controle da vida que escolhi, não controlo todas as minucias da vida que me cerca, não escrevo os roteiros das cenas que vivo, não tenho mais medo de não ser ouvido.
Eu sou tipo uma flor silvestre venenosa, todos acham linda, mas desconfiam. Eu sou bicho do mato, caçado para saciar a fome, para decorar a sala de jantar. Eu sou o arco-íris depois da chuva, fotografado e admirado de longe, intocável. Eu sou a maior árvore da floresta, a mais velha, a mais sábia. Eu sou raízes profundas, sustentando a vida, nutrindo a sua própria esperança. Eu sou folha seca no outono, sou chuva no verão, sou cores na primavera. Eu sou o vento cortante do inverno, o céu azul sem nuvens, o cachecol no pescoço. Eu sou o que todos fazem questão de não ver.
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