Comecei a preparar a partida, pois a passagem chegará ao fim. Faz tempo que venho cogitando a despedida, cogitando a partida, cogitando deixar a cena, finalizar a história. Estou arrumando a estante, dobrando as roupas, guardando os sapatos, relendo os textos antigos e arrumando as fotografias em pastas especificas. Estou organizando tudo que está nos meus domínios, arrumando cuidadosamente cada detalhe, doando o que não serve mais, jogando fora tudo que não é possível de se consertar. Escuto as vozes que ecoam, as vozes que dizem sobre minha partida, as vozes que sabem da minha vida, as vozes que não me encorajam. Recebo as ações de boicote, as atitudes que cultivam a desistência, que frustram a existência e desmotivam o fôlego do enredo.
Se minha história fosse exclusivamente minha, eu deixaria tudo como está para sair andando ser ter que me preocupar. Eu simplesmente não faria questão de ler os textões, de responder aos comentários, de explicar os sonhos que são meus e de justificar os medos que preciso transpassar para escrever a vitória. Consciência de mim eu tenho, mas também estou ciente daquilo que me cerca, daquilo que me espera, daquilo que está em mim e de tudo que não deveria estar perto de mim. O conhecimento me deu a chance de me sentir livre, mas não posso ser invalidado por querer ir embora. Depois de um certo tempo, eles não conseguiram mais justificar meus passos, arrumar explicações para a minha força, não conseguiram mais elucidar minhas desistências, explanar sobre minha persistência e passaram a me aplicar aos traumas.
Eu sou vitima das influencias negativas que cultivei, sou perdido por não estar próximo o suficiente da divindade que eles cultuam, não sou centrado por ter usado drogas, não consigo me estabelecer por ter escolhido tarde o que fazer, não sou capaz de viver sozinho porque todo homem precisa não estar sozinho. É mais fácil me ver como um pobre coitado, traumatizado, perdido, desorientado. É mais fácil dizer que estou com o diabo, que sempre fui meio perturbado, que não sou capaz de sustentar meu próprios objetivos, que não consigo viver sozinho e que - ao partir - eu vou sofrer. Está natural questionar a essência, a persistência e a audácia de quem não se curvou aos objetivos que nunca foram seus. A quem duvida da minha partida, "firme o ponto, cante pelo sangue que derramei".
Estou prestes a me destituir do protagonismo que me aplicaram, de deixar o mundo em que fui colocado, de sustentar os agouros que me são lançados. Não tive a aprovação de ninguém, não precisei ser aprovado por ninguém. Estou ciente dos meus passos, então estou prestes a me sentir cada vez mais livre, "com o mundo nos ombros, cada vez mais leve".
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