10 ANOS

By Tiago Ferreira - 31.12.20

O que garante estabilidade e longevidade a determinadas relações? Bem, sei que não existe apenas uma resposta para essa pergunta, mas sei responde-la de acordo com o que tive a chance de viver.

As pessoas, e posso me incluir tranquilamente, estão rodeadas pela vaidade, pelo ego e por seu próprio reflexo. Se ver e se ouvir é algo que se faz necessário para que consigamos vislumbrar a importância do nosso mundo, mas, quando se trata da convivência e da troca com o outro, temos que assumir o compromisso de ver além de nós mesmos. Sei que demoramos um tempo consideravelmente longo para aprendermos a enxergar cada potencialidade que existe em nós, mas quando nos tornamos capazes de questionar aquilo que não deveria fazer parte da gente? Não somos altamente capazes de ponderar o pior de nós, de vermos nossos erros, de sinalizarmos ações e posturas que não deveriam fazer parte de nós, por isso temos a chance de ouvir algumas coisas do outro. Se ver na potencialidade é importante, mas se perceber como um ser que não detém a exclusividade também. Mas, de contrapartida, é válido questionarmos se realmente cabe ao outro o papel de fiscal e de delimitador de noção alheia. Bem, como escrevo esse texto com base numa relação, posso afirmar que quando vivenciamos uma relação de troca, torna-se possível ponderar, mostrar, ensinar, vivenciar e delimitar sem grandes transtornos. Talvez as relações tenham a troca como base, mas o comprometimento e a persistência também precisam ser citados.

Quando dois mundos se mesclam, torna-se possível duas frentes de conciliação: uma em que tudo se choca de maneira feroz e dolorida e outra em que todos estão conscientes do seu papel e do seu lugar, viabilizando a troca e o aprendizado. O mundo que cada um de nós carregamos é rico em detalhes e alguns objetos trazidos não podem ser mantidos para que seja possível nossa relação com o outro. Ué, falo de consciencia de lugar, consciencia de poder aquisitivo, consciencia sexual, consciencia racial, consciencia política e diversas outras possibilidades. Sustentamos um mundo que tenta se solidificar em nós, que tenta se manter íntegro e quer ser nutrido por raízes tóxicas e abusivas. Cada um de nós - que experimentamos a chance de incursão numa relação - precisa estar atento ao que não deve se perpetuar. Como é possível que sejamos parte de algo se não estamos preparados para deixar que saia de nós aquilo que não deveria estar em nós? Não, não tenho uma resposta para essa pergunta, mas sei que nem todos estão dispostos a se rever - e não precisam ser revistos.

Suponhamos que num mundo perfeitamente resolvido, em que tudo foi mesclado de forma consciente, viabilizando a troca e o aprendizado, alguém tenha que ficar te lembrando que você precisa rever algumas coisas para que demonstre a importância necessária em cumprir seu papel de amige, namorade, companheire, família e etc, você se sentiria confortável? Olha, se você respondeu que sim, você mente descaradamente. A maior parte de nós não está preparada para ouvir o que podemos ou não fazer, assim como não está preparada para ouvir que as certezas que trazemos têm o poder de ferir o outro. Está tudo bem. Ninguém pode passar a vida sendo didático, cobrando, sendo uma pedra no caminho, tentando dialogar, tentando mostrar e cultivar algo com alguém que não vestiu sua responsabilidade e seu compromisso. Para que mundos sejam mesclados é necessário que nos sintamos incomodados - e não estou fazendo alusão a algum tipo de relacionamento abusivo. O incomodo, aquele que se baseia na vontade de desconstruir aquilo que não deveria estar em nosso mundo, é importante para que sejamos responsáveis. Não conseguimos isso em um curto período de tempo, mas também não podemos cultivar uma relação que em dez anos não foi capaz de corresponder a uma expectativa de recíproca que não vingou, por exemplo. 

Você pode ser a pessoa que não quer mudar, que prefere se fazer de desentendida, que prefere se esconder atrás do esquecimento, que prefere fingir que não disse, que não falou, que não agiu mal e que está de acordo com as pautas e demandas apresentadas na sua relação. Você pode se exaltar quando for contestada, pode se sentir magoada, pode atacar quem te contestou e pode preferir romper relacionamentos por ser a pessoa que é sempre questionada, mas não pode tirar de você a responsabilidade. Você pode escolher responsabilizar o outro que fez questão de te mostrar um erro, que fez questão de questionar sua transfobia, sua homofobia, seu racismo, sua arrogância, seu machismo e sua prepotência, mas não pode tirar de si a falta de compromisso com a humanidade. Felizmente, quando tentamos mesclar mundos, temos a chance de ver, ouvir e vivenciar as facetas do outro, assim como temos a chance de conhecer parte do seu legado social, político, econômico, sexual, racial e nos tornamos capazes de compreender com precisão o que aquela pessoa tomou para si como humanidade.

Livros não ensinam você a se relacionar. Aprendemos a nos relacionar, nos relacionando. A vaidade e o egocentrismo podem ser amenizados, mas a literatura talvez não faça o papel que um espelho faria. Não é algo que deveria magoar, mas, quando a nossa própria falsidade é questionada, não somos capazes de enxergar que há dez anos não conseguimos ser nem um pouco daquilo que consumimos em horas dedicadas a estudos - e, pelo menos nesse trecho, não estou representado.

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