ME DESEJO UM FELIZ ANIVERSÁRIO

By Tiago Ferreira - 10.1.21


Eu poderia escrever sobre como foi difícil finalizar mais um ciclo, poderia descrever como é exaustivo sustentar tudo que tenho sustentando, poderia escrever sobre como é dolorido conviver com determinados sentidos, de como é cansativo se sentir constantemente cansado, de como é esquisito ter que permanecer em pé enquanto as pernas bambeiam, de como foi difícil me suportar em alguns momentos e poderia descrever em detalhes o caminho que percorri para estar aqui. Eu poderia simplesmente fazer um álbum de fotografias, poderia montar uma linha cronológica, poderia justificar meus erros, poderia questionar minhas desilusões, revisitar minha coleção de corações partidos, voltar aos momentos em que não consegui dar um sorriso, poderia relembrar as vezes em que enxuguei minhas lágrimas sozinho, em que falei sozinho, em que tive que lutar para permanecer sozinho e todo o caminho que percorri para compreender a solidão.

Mas eu prefiro dizer que já me sinto preparado para olhar ao passado vestindo o orgulho. Estou pronto para deixar ir embora os ciclos que eu ainda não finalizei, de deixar se decompor os sonhos que deixei de sonhar, de deixar se fragmentar as palavras que deixei de falar, de deixar acontecer as cenas que eu não fotografei, de deixar germinar as sementes que plantei, de ver florir as flores que cultivei e de assumir que estou aprendendo a me admirar. Aceitei que não saberei tudo sobre tudo, mas iniciei minhas investidas ao conhecimento próprio, ao amor próprio, ao autoconhecimento. Me basta saber o básico sobre o mundo, me basta ser perceptivo às diferenças, me basta sustentar minhas convicções e crenças, me basta ser homem de fibra e moral, me basta ser preto, me basta ser assumidamente assexual. Entendi que não preciso me esconder de mim, não preciso evitar me ouvir, não preciso evitar meus erros, não preciso fingir modéstia diante das minha qualidades e competências, não preciso esconder minha inteligência, não preciso ter medo de ser arrogante e medo de não ser bem quisto.

Eu só preciso insistir em mim, me ver mais diante do espelho, me agradecer pela força, me atribuir os méritos, me manter inteiro, me salvar ao final de cada dia, de me ver na bagunça, de me ouvir na gritaria, eu só preciso me sentir. São anos de conquistas, anos de aprendizado, anos de questionamentos, anos de terapia, anos de cigarros, anos de bebidas, anos de estudos, anos de livros lidos, anos de vídeos assistidos, anos de vontade de desistir, anos de surtos, anos de perseverança e insistir, anos de crescimento, anos de julgamentos, anos de medo, anos de coragem. São muitos anos de discurso incisivo, de decisões, de conclusões, de perseguições, de desconstruções, de resiliência, de compreensão e aceitação. São anos decisivos, são anos de falso amor, anos de paixão adolescente, anos de pai de cachorro, de ex-estudante de Letras, de admirador do SUS, de defensor da vida, de amizades longas finalizadas, de identificador de falsos perseverantes, de posicionamento, anos de estudante de Enfermagem.

A vida é uma cronológica confusa e nem sempre se vê viabilizada de incluir aos capítulos da história nossas vontades. Ressignifiquei as frustrações que cultivei e deixei que o tempo fosse o determinante de cura. Escolhi me ver na loucura, então aprendi mais sobre o silêncio. Me fiz ser ouvido e respeitado, então tive a chance de ouvir e respeitar também. A vida é composta por uma vasta gama de versões, então compreendo que cada um de nós tenha algo diferente a dizer. Talvez, pelo menos assim concluo, a vida seja uma professora que escolheu viabilizar todas as pequenas e grandes coisas como uma didática equânime para cada fase, capítulo e características de nossas vidas.

Eu me desejo um feliz aniversário.

Fotografia de Olívia Vieira.

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