SOBRE ASSEXUALIDADE

By Tiago Ferreira - 14.2.21


A primeira coisa que precisamos definir a respeito da minha orientação sexual é: ela diz a respeito a mim. Precisamos de maneira urgente deixar de especular e/ou impor nossas projeções e vontades a respeito da sexualidade do outro. A segunda coisa que considero importante definir na introdução da nossa conversa é: assexualidade é uma orientação sexual assim como a heterossexualidade, homossexualidade, bissexualidade e etc. A terceira e última coisa que preciso dizer para iniciarmos esse diálogo de maneira segura é: ninguém tem o direito de questionar e/ou se sentir na posição de validador da orientação sexual do outro. Então, se o coleguinha diz que é, o coleguinha é aquilo que ele diz que é. Após definirmos alguns desses pontos importantes, posso iniciar nosso diálogo de hoje a respeito da minha orientação sexual com o objetivo de descrever brevemente como foi levantar essa bandeira e como é sustentá-la. Não pretendo justificar minha orientação sexual e muito menos validá-la, mas, como um direito que me é garantido, pretendo contribuir para a construção da pluralidade de maneira a fomentar a diversidade e representatividade.

LGBTQIA+

Sim, estou inserido numa comunidade com uma gama de possibilidades, com inúmeras representatividades e vasta em diversidade. A assexualidade é uma orientação sexual e é representada no espectro da comunidade LGBTQIA+ pela letra A. Mesmo estando dentro de uma comunidade, preciso dizer que não conheço pessoas com a mesma orientação sexual que a minha, então, com responsabilidade e noção, discorro esse texto com base nas minhas experienciações e leituras a respeito. Ainda no sentido da representatividade, também defino essa palavra - que sem sombra de dúvidas é uma ferramenta importante de diálogo - como sinônimo de consolidação de certezas e construção de segurança que, no meu caso, ainda está se constituindo e vencendo o sentimento de solidão que a ausência de sua prática ainda me causa. Não me sinto inteiramente representado no grupo em que teoricamente estou inserido, mas esse deve ser um tópico para uma outra conversa. O fato que gostaria de chamar a atenção e esclarecer de uma vez por todas é: eu sou LGBTQIA+.

COMO FOI?

Se considerarmos a natureza de cada um, a famigerada pergunta sobre a orientação sexual alheia jamais deveria ser feita. "Como foi descobrir que é assexual?" - A única resposta que atualmente consigo dar é: "como foi descobrir a heterossexualidade ou a sua bissexualidade?" - Para além das curiosidades e/ou confusões a respeito da minha assexualidade, tomei consciência sobre isso um pouco tarde. Para ser o que sou hoje, precisei me ver e me sentir com o que projetavam e cobravam de mim. Sei, por exemplo, que essas projeções e cobranças fazem parte da vida de uma galera que vive as dificuldades de ser LGBTQIA+ e que tudo isso é capaz de provocar sentimentos danosos o suficiente para marcar nossas vidas. Na minha história, o "como foi" já me fez questionar dezenas de vezes sobre certezas que carregava e já me conduziu a agir sem ter vontade, coragem, ânimo, atração e necessidade a ponto de me ver sucumbir dentro daquilo que esperavam e/ou queriam de mim. Posso ter nascido assexual, mas a consciência a respeito disso é recente. Se eu ficasse aqui discorrendo a respeito de todas as situações tóxicas e abusivas que vivenciei antes de ter o real controle da minha natureza, perderíamos a importância desse texto. Então, para finalizarmos de uma vez por todas com essa curiosidade e especulação, posso confirmar uma coisa para você: eu nasci assim.

ASSEXUALIDADE

Assim que me situei como homem preto e assexual, levantei minha cabeça para sustentar a minha causa e minhas certezas. Sustentar é a palavra certa para descrever o Tiago que foi questionado por amigos e invalidado inúmeras vezes dentro do seu lugar de fala. Não tenho uma vasta rede de amizades, mas confiava no respeito e na empatia de determinadas pessoas para me acolherem em uma fase da minha vida em que assumo coragem para viabilizar e externalizar as minhas próprias certezas. Como homem preto, que já significa uma gama imensa de dificuldades e obstáculos de vida, não era do meu interesse me expor sem qualquer necessidade como uma pessoa assexual, como alguém LGBTQIA+, sem realmente ter certeza de que se tratava da minha vida, da minha natureza de ser. Depois da rejeição e dos questionamentos em torno da minha declaração, comecei a compreender os meandros que pairam a assexualidade como orientação sexual e fui capaz de perceber que a invisibilidade havia afastado a letra A do diálogo da diversidade. Sendo assim, para nos sentirmos seguros e avançar essa dialógica, trago uma breve definição da assexualidade:

"Assexualidade é uma orientação sexual, assim como a homo, hetero ou bissexualidade. As pessoas assexuais não sentem atração sexual por outras pessoas, ou sentem muito pouco, ou apenas em algumas situações." ¹

Se já somos capazes de vislumbrar a assexualidade como uma orientação sexual, também somos capazes de realizar uma desconexão com um problema médico, uma questão de saúde. Ninguém "está assexual" por uma baixa hormonal, ou por ser portador de uma patologia. Uma orientação sexual não é tratada com medicamentos, não é curada - e já estamos saturados desse debate. Ainda na área da saúde, é comum a crença de que a assexualidade está conectada a fatores psicológicos e que precisa da validação dessa galera da análise para ser acreditada. Terapeutas, psicólogos e analistas possuem o poder de validação da orientação sexual de outrem desde quando? Como já mencionamos, ninguém "está assexual", então não existe demanda psicológica que justifique a análise da orientação sexual do coleguinha para que ele seja validado ou reconhecido. Para além da cura medicinal e/ou psicológica, a assexualidade não é uma piada, uma escolha de estilo de vida, então também é necessário que deixemos de conectá-la ao celibato. Não é sobre negar sexo, não querer "dar uma hoje", ter sofrido uma decepção amorosa, ter um compromisso religioso ou fazer "greve de sexo". Existe um abismo de separação entre escolha de comportamento e orientação sexual.

Ainda explorando todos os meandros que rodeiam a assexualidade e tentam inviabilizá-la como uma orientação sexual, é importante mencionar que sou - como pessoa que sustenta esse espaço e vivencia essa orientação sexual - constantemente questionado a respeito de uma relação, de uma vida amorosa, então precisamos desmistificar algo sobre relações e amor. Existe-se uma imposição histórica a respeito de relações amorosas que coloca o sexo como pilar principal de validação e, como consequência, constituição familiar. Bem, não preciso mencionar que não faz sentido pensarmos assim se estamos conversando sobre algo que é fruto da diversidade, das possibilidades e potencialidades do ser, do estar e do amar. As relações não possuem uma predeterminação, uma forma correta de serem constituídas e não são estáticas e/ou vivenciadas de uma única maneira. Então, por qual motivo uma pessoa assexual não pode se ver em um relacionamento amoroso, experienciando e vivenciando uma vida regada por possibilidades afetivas - assim como em qualquer outra orientação sexual? As pessoas não são resumidas por sua vontade de fazer sexo, apenas. Um ser humano é constituído por um vasto universo de características, consciências, qualidades e potencialidades. Amar e ser amado não é sobre ato sexual, relação sexual, uma boa foda, uma excelente performance na cama. Sentir atração por alguém também não possui relações restritas com o sexo - é importante que consigamos apreender essa verdade.

VALIDAÇÃO

Vivemos tempos de muita controvérsia e incoerência, então precisamos esclarecer algumas coisas. Não fiz um curso sobre assexualidade e não tenho um diploma no assunto. Leio, vivo e vivencio a assexualidade dentro do meu espectro de possibilidades, assim como sustento minha orientação sexual com base nas minhas próprias certezas. Também, como alguém que se sente pertencente a uma comunidade e causa, busco construir minhas representações e invisto em representatividade para me ver, ouvir, cuidar e manter em pé. Recentemente, Lucas Penteado, um garoto que participou de um reality show, ao assumir sua bissexualidade em público foi questionado, isolado e invalidado por outras pessoas que - supostamente - representavam a comunidade LGBTQIA+. É óbvio que isso levantou uma discussão pesada nas redes sociais e evidenciou que precisamos avançar na dialógica a respeito dessa certeza que as pessoas carregam de que possuem o direito de questionar o gênero e a orientação sexual do outro. Lucas, como jovem que tem a chance de experienciar sua humanidade da maneira que suas próprias idiossincrasias lhe propõem, foi rechaçado por pessoas que não representam o coração da comunidade que me sinto parte.

Ser invalidado por validadores é uma realidade que vivencio. Já fui analisado e revisado inúmeras vezes e cheguei a engolir minhas certezas por medo de não ser bem visto ou bem recepcionado. Hoje - ainda mais depois do que Lucas viveu - tenho a certeza de que não existe qualquer pessoa que tenha o direito de me invalidar, intimidar ou deslegitimar as minhas certezas. Estando num país como o Brasil, que persegue e extermina diariamente pessoas LGBTQIA+, não me parece que Lucas seria capaz de se apropriar da bissexualidade por holofotes, assim como eu jamais me identificaria como assexual para me inserir em todo esse contexto. A verdade é que precisamos avançar em determinadas pautas para que todos entendam de uma vez por todas que ser é algo além do querer. Ninguém escolhe ser LGBTQIA+ simplesmente por estar entediado ou por querer experimentar algo novo. Ser LGBTQIA+ é uma causa de vida.

Por fim, eu sou assexual e estou aprendendo sobre isso todos os dias.

¹ The Asexual Visibility & Education Network

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