Se hoje eu pudesse escrever sobre vulnerabilidade, pudesse destrinchar a possibilidade de apenas estar vulnerável, me retiraria todos os adjetivos, recolheria adjetivo por adjetivo para analisar o que sobrou. A gente passa tempo o bastante para aprender a filtrar determinadas características, aceitar meia dúzias de defeitos, receber com afeto menos do que deveríamos de qualidades e assim seguimos sempre questionando o não estar vulnerável. Os adjetivos reforçam, colocam poder, revestem de possibilidades quem busca potencialidades, mas, na mesma intensidade, podem caminhar para uma perspectiva duvidosa se não aprendermos a alinhar seus devidos lugares.
O sentido da vida poderia se justificar se fôssemos capazes de reconhecer certas características. Pondero hoje sobre como tem sido difícil olhar para alguém ou para algo e pensar em um adjetivo, num sentido de qualidade. Somos treinados para o oposto das qualidades - tanto ao desenvolvê-las ou ao reconhecê-las. Não, não tenho as respostas certas para justificar os porquês de estarmos cerceados pela prática coletiva de reconhecer aquilo que não classificamos como bom, antes mesmo de conseguir enxergar o contrário. Suponho que tenha algo relacionado às expectativas que cultivamos, aos desejos que guardamos e aos projetos falhos de nós que sempre buscamos descartar em projeções sobre outrem. Parágrafo sincero e honesto que verdadeiramente me inclui, pois só estou amadurecendo o bastante para reconhecer e a valorizar adjetivos hoje.
Voltando ao parágrafo inicial e retomando a minha curiosidade em saber como seria estar despido dos adjetivos, questiono se você é capaz de nesse exato momento reconhecer uma qualidade e contrapor essa característica a um defeito, consegue? Sou uma das pessoas mais críticas que conheço, logo desfilo por aí cheio de meandros e até mesmo inseguranças. Minha visão crítica das coisas me ajuda com os limites que preciso permear para estar onde devo e para agir de acordo com os meus valores. Ser crítico não é sobre criticar, como se essa característica ecoasse apontamentos e ações de repressão diante da natureza de algo, do estado de algo ou só do existir das coisas. Me ver sem meus adjetivos hoje não me torna um ser humano atento aos seus próprios defeitos e que reconhece suas próprias qualidades, pois os adjetivos que coleciono hoje não me foram entregues na maternidade. Não me despirei daquilo que me tem por qualidade.
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