Talvez agora sejamos capazes de assistir alguns propósitos queimando, enquanto limpamos a fuligem de outros que já terminaram seu ciclo de destruição pelas chamas. Reconhecer o fracasso ou o redirecionamento de rota dói pra caramba, mas a verdade é que ninguém deixou claro que essas são coisas inerentes ao ato de viver. É sempre esse o caminho: aprendemos depois de velhos. Não uso o envelhecer para nomear o conceito fisiológico da coisa. Envelhecer inclui a sagacidade colhida pelo caminho - e isso independe da idade de uma pessoa -, assim como inclui as ruinas e/ou construções deixadas na estrada. A gente é tão travado com essa história de frustração que evitamos até mesmo falar sobre o que não deu certo - como se a vitória fosse algo que estivesse exclusivamente relacionada com nossas habilidades existenciais.
E tem quem enterra seus próprios fracassos, não os queima para não chamar a atenção. Tem quem simplesmente escolhe fingir que um sonho não vai rolar, não tendo a atenção para ponderar a respeito de fatores que poderiam ter influenciado. O fato é que não é o caminho da vitória encarar o êxito como um mérito exclusivo para o sentir-se bem. Rico Dalasam cantou: "ser encontrado é o pior na guerra, mas se encontrar é melhor na paz!". As preocupações e as frustrações, assim como os temores e terrores, buscam todos que ainda idealizam a vida como uma obra de arte altamente protegida por sensores de presença, faixas de segurança, vidros de segurança e alarmes. Gosto de pensar no percurso em que guerreamos pela nossa história e não pela vitória. A vida é o conjunto da obra, mas alguns não precisam guerrear, então a gente precisa sempre exercitar nossa habilidade de retomar o olhar cuidadoso para tudo aquilo que chamamos de derrota.
"mas se encontrar é melhor na paz", quando nos tornamos capazes de assistir alguns propósitos queimando, perdemos parte daquilo que falta para alguns de nós como humanidade: dignidade. Mas alguns de nós só é capaz de perceber a paz do batalhar quando se encontra no desenvolvimento da sua própria história, quando se vê, finalmente, como o escritor do seu próprio livro. Quando fracassamos em conquistar, em construir, em assegurar, em simplesmente ter, questionamos o nosso local no passado, no presente e no futuro. A gente pega aquele acumulado de lições retiradas da derrota, mas sem qualquer espécie de chance de não parecer um derrotado, e quase que compulsoriamente precisa ressignificar, recriar, dar continuidade. Não, não acho justo que tenhamos que normalizar determinados fracassos, mas o que a gente faz com eles?
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