EXCOMMUNICATION DE TYLER GLENN FALA SOBRE TODOS NÓS

By Tiago Ferreira - 18.8.18

"You judge, but I don't give a damn
I live a life so shameless"
Tyler Glenn - Shameless

Imagem retirada da internet. Festa de lançamento do primeiro álbum solo de Tyler Glenn lançado após a Igreja SUD divulgar a mudança de política em relação aos membros gays em novembro de 2015.
Em seu álbum "Excommunication" publicado em 2016, Tyler Glenn constrói uma narrativa sobre a sua crise de fé e suas autodescobertas. O cantor lançou seu primeiro trabalho solo quase um ano depois da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (Igreja SUD) - instituição da qual ele é ex-membro - divulgar que filhos de pais gays não poderiam ser batizados. Homossexual e ex-mórmon, o artista constrói uma narrativa intensa por intermédio de um álbum habilidosamente trabalhado, profundamente pessoal e cheio sarcasmo.

Só constatei que se tratava de um trabalho relacionado a uma crise de fé ao ouvir a música "Midnight" e contemplar o visual do clipe.


"Midnight" é a canção mais pessoal do álbum. Aqui não se tem batidas alegres e nem mesmo uma melodia triste. Nesse momento Tyler meio que pausa a narrativa do seu trabalho para simplesmente falar com Deus. Aqui ele rompe com suas convicções e crenças em uma força superior ao mesmo tempo que questiona a existência dela. O diálogo com Deus surge no momento em que, na condição de humano, o artista se vê sozinho e rejeitado por viver a essência da natureza de suas características. Esses sentimentos nascem mediante a todas as situações ocasionadas por sua orientação sexual. Gleen começa a falar por todos que já foram coagidos por serem o que escolheram ser, por falarem o que decidiram falar, por se vestirem como escolheram se vestir e, em determinado momento, se sentiram sozinhos. Apesar de questionar a Deus todos esses pontos, a pessoa do artista ainda se refere a Ele como algo importante em sua vida. Aqui o discurso não é algo singular. Tyler claramente levanta um discurso que representa cada pessoa viva no planeta.

É exatamente nesse ponto que o sentido narrado pelo cantor se encontra com a narrativa da minha vida. Diferentemente de Tyler, que é assumidamente homossexual, minhas atribulações não são direcionadas a minha orientação sexual. Sempre falei em textos e em poemas da importância de não se olhar para um jovem como se ele não tivesse história ou bagagem suficiente para saber viver, e é diante desse prisma que já me senti rejeitado por ser quem sou. Dentro do meu caminhar já tive que parar e contestar determinados acontecimentos. Já tive que parar o meu caminhar por questionar a veracidade das minhas escolhas, da minha natureza. Já culpei a Deus e questionei seu posicionamento mediante a muitas catástrofes que permeiam a minha caminhada.

Nunca fui uma pessoa fácil de se entender ou fácil de se alcançar. Confesso que ao decorrer dos anos fui me fechando ainda mais para as possibilidades de viver novas relações. Mas eu só escolhi esse caminho porque tive que me defender de algo. Rompi com minhas crenças dezenas de vezes. Busquei e deixei de buscar algo para me apegar. Eu também tive que chegar até um ponto insustentável de duvidas e crises existenciais para conseguir dialogar com as minhas certezas. Já me vi sozinho diante de lutas intensas e questionei se existia possibilidades de vencer. Diante dos meus tormentos, expulsei pessoas da minha vida e aquelas que insistiram em ficar - acreditando que eu poderia me firmar -, desistiram de estar ao meu lado ao decorrer do tempo. Foi entre idas e vindas, quedas e feridas que percebi que a fé e eu nunca fomos grandes amigos, mas mediante das catástrofes que percebi que ela estava lá no meu subconsciente me fazendo continuar. E não interessa a fé no que ou em quem porque foi acreditando que não seria possível continuar que continuei.

A metáfora do diálogo com Deus usada pelo cantor fala sobre nossas incertezas. É sobre pensar em desistir diante de cada fracasso, mas, de contrapartida, continuar buscando forças para permanecer em pé. Nessa conversa sincera, Tyler se coloca numa caminhada dividida em duas certezas: caminhar com Deus e fugir Dele. Assim resumo as tentativas do ser humano de se fazer entender: caminhar com a certeza de mãos dadas com a duvida.


Continuando as dissertações religiosas e afetivas do álbum, temos "One More" apresentando uma espécie de comparativo entre um término de relacionamento e um afastamento da fé.

Ao decorrer dessa estrada tive que aprender a ser ex-amigo, ex-namorado, ex-primo e a lidar com todos os términos que me foram apresentados ou forjados por mim. Essas separações foram cheias de amor, estão cheias de nostalgia, foram vitimas da traição e doem até hoje por causa da melancolia. Assim foi a minha dor quando permiti que a minha fé ficasse de lado. Deixei minhas certezas e a esperança que poderia existir no amanhã de lado por simplesmente insistir numa busca por respostas.

Como disse acima, já cheguei a acreditar que caminhava sem a fé e essa certeza incerta me fez senti muitas dores e diversos medos. Quando me vi sem o respaldo da fé - sem a força que é preciso para acreditar no amanhã - todos os sentimentos que passei a viver eram somente mais uma possibilidade de sofrer. Eu já me enchi tanto de duvidas por temer estar sozinho ou pensar que não acreditava mais em algo. De certa forma, reconheço hoje que essa minha rebeldia perante ao "acreditar" que a fé proporciona, não passou apenas de um medo. É normal sentir medo e fraquejar, então hoje reconheço que meu relacionamento com fé foi norteado sempre pelo sentimento de término e de reconciliação. Sempre soube no que acreditar e no que me apegar para suportar as minhas lutas, mas, por pura rebeldia e ignorância, já trilhei negando a existência de certezas.


Essa canção - depois de Midnight - é a minha preferida. O cantor simplesmente faz um belo desabafo enquanto que a melodia traduz a sensação de coragem que permeou seu medo. É algo entre o precisar e o exitar. A narrativa dessa música nos traz uma bela analogia sobre a relação de medo em ser o que se é e o peso que isso traz para a nossa existência. A cruz - que foi carregada por Jesus e simboliza o peso da sua dor - traz o sentido de peso e pesar sobre ter que viver nas sombras para poder ser o que se é.
Não é de hoje que escrevo sobre a necessidade maldita de ter que se autocensurar para poder se encaixar e/ou ser aceito em um determinado grupo. Se privar de falar e se castigar por pensar algumas coisas foi a minha maneira de viver durante anos. Por conta de uma religião também tive que me boicotar. Apesar de me sentir próximo de Deus, eu deveria ter que ser algo além do que eu poderia ser. Era de fato como carregar uma maldita cruz e sofrer calado para não ser repreendido ou algo do tipo. 
Infelizmente Deus me fez louco o bastante para questionar e pensar. Me fez pessoa suficiente para aceitar as diferenças e escolhas das outras pessoas. Felizmente Deus me fez sem o direito de julgar e condenar. Nunca pude ser o certinho, tanto que jamais pude ser o filho perfeito. Tropecei e andei por caminhos tortuosos demais depois que rompi com os parâmetros que permeavam a minha existência. Fui fazer exatamente o que Deus me fez para fazer: ser imperfeito. E é esse o sentido da canção de Tyler. O cantor não se desculpa e nem se lamenta por ser quem é, por ser o que escolheu ser. Ao contrario do que se esperava, a lamentação torna-se um deboche, um sarcasmo.
O medo sempre permeará a coragem daqueles que decidem romper com os parâmetros. E se Deus de fato nos fez, então qual o sentido de sermos o que nascemos para ser incomodar tantos? A loucura da libertação é a sensação mais importante para quem buscou vida durante muito tempo, mas frustrou-se pelo medo que a acusação causa. Tyler não sente mais raiva da sua ex instituição religiosa e muito menos pensou em regredir para o armário. Libertar-se é olhar ao passado e se orgulhar da sua loucura, mesmo que as vozes e os dedos apontados insistam em dizer que suas escolhas te conduzirão à catástrofe.
Hey, 👇
Viva com o objetivo de viver. Não escute as vozes e nem ligue para os dedos apontados para a sua direção. Busquei na arte a vida que eu precisava e foi por ela que vivi ainda mais intensamente a proposta de Deus: ser imperfeito. Vivo até hoje com a acusação por ser quem sou. Por ter meu cabelo afro, por ter minhas tatuagens, por escrever e assim vai. As pessoas continuarão a perseguir quem faz a escolha de viver. Conviver com nós mesmos é o melhor que podemos nos dar.
Bom, creio que não preciso dizer que amo o trabalho de Tyler Glenn. Ele também é vocalista da banda de pop-rock Neon Trees. Quem me acompanha desde a fase "um anacrônico" sabe que também sou muito fã da banda. Tyler fez da sua carreira solo o palco para o seu desabafo. Levantou-se da cadeira da impotência e foi de encontro com a possibilidade de falar contra a hipocrisia. Um cantor com uma voz completamente marcante e que tem conteúdo a ser transmitido. Glenn - sem sombra de duvidas - é uma influencia positiva e construtiva que agrega valores e diversidade ao mundo da música, ao cenário musical internacional. 🎵♥
Tyler Gleen no Instagram        ←→        COMPRE EXCOMMUNICATION
É óbvio que eu gostaria de falar sobre todas as canções do álbum, mas algumas delas são interpretações pessoais demais para serem compartilhadas. Então vamos fazer o seguinte? Deixarei aqui as demais músicas do álbum, você escuta e me diz se alguma delas conseguiu te alcançar. pode ser?
Obrigado por ter lido até aqui. Interaja comigo e me ajude a construir um Limoções ainda mais plural e coletivo. Deixe seu comentário.


Lembrei que já tinha uma playlist do álbum criada no YouTube, então é só apertar o play!

Ps: você vai descobrir que o artista também é um ótimo dançarino 👋👌😎


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