EMARANHAMENTO: NÃO SOU O NÓ

By Tiago Ferreira - 3.8.23

Nunca havia me perdido na grandeza da minha existência. Hoje chamo meu momento de deslocamento de "emaranhado de mim". Costumo nomear e conceituar aquilo que me ocorre. Estive na minha própria presença, aprisionado em mim e sem qualquer possibilidade de desfazer nós. Com facas não amoladas e tesouras sem cortes, eu fui aprisionado dentro dos meus próprios conceitos. O que considerei saber sobre mim não empoderou as minhas tentativas de responder aos desesperos que fizeram morada na minha consciência. Nunca me evitei, tendo feito questão de me posicionar diante do espelho dia após dia. Nunca temi as minhas potencialidades e jamais evitei caminhar pela obscuridade daquilo que permanece fora do meu foco, mas tropecei numa pequena pedra e, aprisionado na consequência do inesperado, desencontrei a minha própria natureza. Nunca havia me emaranhado de mim. 

"[...] Aqui, tendo em redor de mim uma possante região sobre a qual passam ventos vindos dos mares, bem sinto que nenhum homem pode responder às perguntas e aos sentimentos que têm vida própria no âmago de seu ser. Mesmo os melhores se enganam no uso das palavras quando elas têm de significar o que há de mais discreto, de quase indizível (Rilke, 1903)."

A crueldade é tão discreta e articulável. Meticulosamente consegue arrancar de nós a humanidade, invalidando a natureza simples daquilo que tecemos como nossas próprias verdades. Temos que planejar uma vida em que nossos passos desviem de buracos e pedras colocados no caminho por outrem. Costuramos certezas, tecemos com linhas resistentes nossas crenças e sempre utilizamos retalhos para colorir aquilo que estamos produzindo a respeito de nós - e sempre estamos reforçando a costura para que sejamos capazes de permanecer inabalados. Quando penso no "emaranhar de mim" trago vívida a lembrança de nós, de desorganização complexa que aprisiona. A crueldade não articula com ruídos, diferentemente das nossas buscas constantes pelo o "organizar o que está em nós". Arrastamos estantes, mudamos móveis de lugar e seguimos buscando a ponta da linha para conseguir tentar chegar ao ápice do entrelaçamento.

Deveria ser uma experiência única conseguir permanecer dentro de quem somos, seguros, calmos, ou simplesmente arrumando aquilo que não fugiu do controle. Também me fiz silêncio, já que não poderia mais seguir fazendo a curadoria, além de me fazer gritar socorro. Permaneci na impossibilidade de desfazer nós. Também chegou aquele momento que evitei: existem emaranhamentos que não podem ser desfeitos. Com a ficha caída, com o silêncio entoado, peguei as minhas mãos tremulas e rompi a linha principal, descobrindo que ela era mais frágil do que pensei. Não estou no nó, não sou o nó. Eu sou tecelão de mim, costureiro dos meus ajustes e dos meus remendos. Sou o reflexo diante do espelho.

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RILKE, Rainer Maria. Cartas a um Jovem Poeta: A canção de amor e de morte do porta - estandarte Cristóvão Rilke. 14. ed. Rio de Janeiro: Editora Globo, 1986. 109 p.37

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