TRISTEZA COMO ACOMODAÇÃO: DEVEMOS NOS ACOSTUMAR?

By Tiago Ferreira - 4.8.23

Resolução. Palavra que tende a ter um significado simples e objetivo: aquilo que precisava ser resolvido, foi devidamente resolvido. Palavras são instrumentos viáveis de materialização do sentir, assim como também são armas letalmente fatais das emoções e das reações. Palavras também sinalizam e acomodam. Queria dizer que a escrita é um remédio descontrolado, um antídoto sem dose definida - não como se fosse uma colher de xarope ou um comprimido manipulado, mas uma potencial cura sem custos efetivos, sem a necessidade do depósito de uma intenção, sem o cultivo de uma cronológica necessária para a efetivação do tratamento, mas cometeria uma irresponsabilidade. A escrita pode se integrar ao tratamento, mas o que estamos tratando?

Gosto de pensar na resolução das problemáticas que me permeiam depois de visualizar a caminhada que trilhei. Aquilo que hoje chamo de história me define, mas precisa ser incapaz de me aprisionar, tendo a minha identidade caráter fluído e mutável. Barreiras foram e serão construídas dentro das possibilidades que prevejo como resoluções, mas questões precisarão sempre ser perpassadas e a disposição daquilo que já detenho como conhecimento poderá interferir entre aquilo que sei de mim e aquilo que ainda considero desconexo da minha própria definição de ser (CUNHA, 2021). Costumei a pensar que a história é inquestionável, assim como os sentimentos que acumulei ao decorrer da minha existência, mas, de contrapartida, também potencializei uma resolução simples para inúmeras coisas: a evitação. 

Chegamos num ponto em que evoco para esse parágrafo a tristeza. Sendo o sentimento mais duradouro que morou dentro das minhas expectativas e floresceu entorno do meu modo de agir, a tristeza não me paralisou, mas abriu caminhos constantes de retornos, de voltas, de indigestão e/ou digestão, de insegurança e medo. E assim consideramos a tristeza sentimento fomentador daquilo que nos transborda, sendo potencialidade para coisas que transcenderão o agora. Sentimentos não devem ser evitados - e essa é uma verdade que eu sustento com todas as minhas forças, pois o viver se baseia na demonstração daquilo que é expelido de nós. Em determinado momento me vi questionando a validade temporal do ser triste e o quanto disso beira a patologização. Além do mais, me cabe, na condição em que existo, pontuar que a tristeza também se revigora em cenários específicos e se fortalece de maneira questionável em realidades distintas. Rilke (1904) escreve em uma de suas cartas

"[...]todas as nossas tristezas são momentos de tensão que consideramos paralisias porque já não ouvimos viver nosso sentimentos que se tornaram estranhos; porque estamos a sós com o estrangeiro que nos veio visitar..."

A responsabilidade que detenho como compromisso social - e intrinsecamente ligada com as características da minha vivência - abre espaço para que seja possível pontuar os marcadores de raça e gênero como sendo indissociáveis do sentir e da reatividade emocional ligada ao meio. Tendo o conceito de história importante papel na formação de uma identidade e a capacidade das palavras de ponderar a respeito de características existenciais de uma pessoa, deveríamos visualizar o ser dentro das dinâmicas de sentimentos, tendo todes a possibilidade de sentir do gozo ao pesar. O olhar para a gama de possibilidades tende a ignorar aqueles que estão nomeados e/ou identificados em marcadores, colocando-nos em posições de escolha, sendo o ser triste a certeza de acomodação de toda uma existência. Então, sendo a primeira pergunta desse texto, o que provoca a tristeza? Não respondo o questionamento de maneira clara. Não pretendo discorrer outro parágrafo para que sejamos capazes de pontuar que: se encaixa em marcadores aqueles que não foram capazes de se enquadrarem naquela representação de alegria que determinou as dinâmicas subjetivas de existência como um grande monstro social.

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RILKE, Rainer Maria. Cartas a um Jovem Poeta: A canção de amor e de morte do porta - estandarte Cristóvão Rilke. 14. ed. Rio de Janeiro: Editora Globo, 1986. 109 p.63

CUNHA, Eduardo Leal. In: Relações de gênero e escutas clínicas. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Devires, 2021. cap. Sobre macacos, cyborgs e transexuais: a psicanálise e os limites do humano, p. 35-50. ISBN 978-65-86481-26-6.

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