ESPERANÇA E PERFORMANCE: MANUTENÇÃO DO PODER

By Tiago Ferreira - 8.8.23


Com o passar do tempo fui me acostumando a acreditar que estar fora das possibilidades de alegria, sendo a tristeza o único sentimento palatável para os moldes daquilo que vivo no hoje. Como podem as circunstâncias prescreverem nossas considerações ao futuro e reger nossos olhares apenas para as limitações que nos alcançam no hoje? Talvez a resposta, mais uma vez, esteja na manutenção do poder que as desvantagens diárias tomam sobre a vida daqueles que enfrentam perspectivas limitantes. O poder, quando bem articulado por quem porta privilégios, descaracteriza lutas de outrem e minimiza determinados esforços. Podemos considerar esse movimento de desencorajamento de determinados grupos um ciclo passível de interrupção. 

"Hoje percebo que a realização também pode estar conectada com a coragem. O fim não se pauta exclusivamente pela dor e não flerta com as percepções de fracasso - que depositam sobre as atitudes de coragem - aqueles que ainda não compreendem o fim como uma verdadeira possibilidade. Quero existir e fazer uso dessa existência em todas as suas potencialidades. Preciso fazer o que considero imperativo sem deixar abertura para que utilizem as acusações póstumas forjadas pelo conceito de egoísmo como uma ferramenta de invalidar a minha decisão de finalizar o livro. Cansei de novos capítulos e estou farto de ter que projetar nas próximas páginas a esperança. Recuso a esperança. Invalido o poder do "esperançar" sobre a vida que vivo hoje. Tiro da esperança o poder de fazer nutrir aquilo que desconheço. Tiro da esperança o poder de tentar me fazer querer novos sonhos. Tiro da esperança a necessidade de me fazer sentir culpa. A esperança não tem méritos aqui (FERREIRA, 2023)."

No trecho citado acima questiono o papel da esperança como ferramenta impositora de performance. Mas, de contrapartida, flerto com a possibilidade de finalização, evidenciando uma angústia justificável em poder tomar decisões para além daquilo que ficou estabelecido como uma verdade comum. O que aprendemos ao decorrer de nossas vidas é baseado na aceitação daquilo que apresenta como uma potencialidade algo positivo, enquanto traçamos metas de nos esquivarmos daquilo que é conceituado como negativo, ruim, limitante e impulsionado por sentimentos característicos como a tristeza, frustração, mágoa, raiva e etc. Esperançar faz parte das características normativas da humanidade, sendo um ato até mesmo de resistência histórica. Assim como a esperança, os sonhos também carregam importante atribuição sobre as ações cotidianas, conferindo força e combustível aos que necessitam escapar de realidades esmagadoras. Mas, sem parecermos estritamente negativos, existem perspectivas para além desse senso comum entorno do positivismo construído no meio social.

Manutenção de espaços e manutenção de privilégios: quem sonha, quem não tem tempo para sonhar, quem pode criar e nutrir esperança, quem não consegue esperançar? São questionamentos que sempre me conduzem a ponderar a respeito de como me sinto. Tirando da cena a realidade dolorida, as dificuldades do cotidiano, a possibilidade de equiparar histórias e aplicando ao meu existir méritos, faço questão de evocar o seguinte recorte: "[...]carrego meus troféus com a lembrança exclusiva de que eu sabia que precisava viver aquele agora. Vivi o agora. Vivo o agora. Eu vivi o agora. Meu corpo vive o agora. Minha mente viveu o agora. Minhas palavras escreveram sobre o agora. Eu chorei no agora. Eu gargalhei no agora. Questionei o agora. Não quero aceitar o amanhã. Não aceitei o amanhã". A vida é justamente cabível de ser ponderada a partir de nossas percepções pessoais, nos tornando capazes de perceber nosso local, nossas limitações, anseios e até mesmo potencialidades. Os atravessamentos cotidianos baseados em esperança contida no amanhã são passíveis se subjetivizações, cabendo a cada um de nós a escolha oportuna de seu uso - quando cientes das nossas próprias causas. 

Por fim, retomo o local de satisfação por ser quem se é. No final daquele dia exaustivo nos cabe conceitualizar a vitória, independentemente de qual tenha sido ela. Por isso escrevi, com orgulho e satisfação para aquele momento:

"[...] Eu venci tudo aquilo que esteve projetado sobre mim e venci sobre tudo aquilo que absorvi sobre mim. Em tantos momentos fui as projeções e em tantos outros eu somente me projetei. Sou de verdade. Fui de verdade. Sendo aceito por ser quem se é ou tendo que aprender a ser desprezado por ser aquilo que espontaneamente se tornou, não deixei jamais de ser. Tenho méritos - e isso me deu o direito de não temer a finalização da minha própria história".

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FERREIRA, Tiago. Recuso a esperança. Limoções, 2023.

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