A VIDA TERMINA QUANDO COMEÇA

By Tiago Ferreira - 9.8.23


"Fui sempre sem poder ir: mil destinos
soltos na garagem rarefeita do mundo,
em arquiteturas cerebrais, um profundo
teatro de sombra em atos sem sentidos,

senão o de sobreviver à mordedura diária
do tempo inexato do presente já passado
(na velocidade imperceptível que imprime
vida no verso que escala o muro íngreme).

Nadei sempre sem poder nadar: na piracema.
À margem da vala. No redemoinho do poema.
(DEGANATI, 2018)"

Pensei em como seria prazeroso ter a sensação de finitude sem os meandros que acompanham o findar. E mesmo tendo a noção de que tudo se acaba, que ciclos se encerram, que um dia sempre termina com o pôr do sol e que nada é infinito, não me lembrava de como era o gosto do fim. Concluo que nosso caminhar é basicamente constituído pela busca pelo infinito, sendo as possibilidades de permanecer, de vencer, de viver e de experenciar sempre atreladas ao que conceituamos como aquilo que nos torna infinitos. Temos consciência sobre a potencialidade do fim diante da vida, mas buscamos compreender o sentido passageiro de existência com méritos, vitórias e dedicamos bastante tempo na construção de um legado.

Buscando sempre ressignificar as dores, dar novo sentido aos rancores e renomear tudo de negativo que nos rodeia, somos os frutos da ideia de que imaginar o fim das coisas é algo terrível, mórbido e melancólico. A gente vive processos de reciclagem do sentir, do ouvir, do ver e do compreender para termos a sensação plena de que estamos cumprindo algum papel. Não é sobre prosperar, prospectar e imaginar. É sobre determinarmos condicionantes para que sejamos capazes de justificar uma existência com prazo de término já determinado. A vida tece suas condições baseada na escolha própria de quem escreve sua história, logo questiono todos os condicionantes de plenitude que empurram a possibilidade de findar para bem longe da realidade. Conviver com a possibilidade de sustentar um mundo idealizado por quem narrou, em visão completamente unilateral, que a vitória alcança apenas quem escolheu ressignificar, torna questionável o potencial contido no amanhã. 

E se eu conseguisse me lembrar de como é natural se ver sem a necessidade de fazer durar aquilo que não foi feito para durar, diria que não podemos ser integralmente comparados com as estações do ano. O ano, como um ciclo findável, está sujeito a todas as alterações decorrentes das ações humanas, então, mesmo que esperemos uma configuração pré-determinada de suas estações, um ano é diferente do outro. Uma vida diverge de outras vidas e jamais existirá possibilidade de equipararmos histórias. O tempo, sempre carregando consigo as principais respostas, decorre independente das nossas expectativas, mas, como esperado, também decorre alinhado com algumas de nossas escolhas. O tempo, em sua pura e única potencialidade, não é capaz de determinar, mas é um dos principais determinantes. A finitude também é uma escolha, também é um determinante que jamais poderá ser vista, analisada ou questionada separada da ação do tempo. Não podemos de maneira exclusiva decidir sobre as certezas do findar, porém escolhemos maneiras de acelerar processos - e imaginamos outras tantas "possibilidades" para alcançar um meio-termo.

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DEGANI, Marlos. Além da Terra, Além do Céu. 1. ed. Vol. 3: Chiado Books, 2018. Poema: Vala, p. 85. ISBN 978-989-52-4027-2.

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