APRENDER A SE AFIRMAR E A SE DEFENDER: A GENTE CONSEGUE RESISTIR?

By Tiago Ferreira - 19.3.25

Ainda sigo aperfeiçoando a habilidade social de não ter que justificar meus sintomas. Não carrego uma placa, um cordão, uma pulseira ou qualquer outro dispositivo que sinalize as minhas intimidades psicológicas. Nada do que sou é limitante, mas tenho meu tempo para certas coisas - e acredito que isso é inerente ao ser humano. Mesmo tendo começado a ser o que sou na minha totalidade recentemente, já estou colhendo frutos importantes. A gente só percebe o poder gigante de preencher os espaços com o que temos  - e do jeito que somos - quando começamos a perceber em nós aquilo que queremos em nós e aquilo que não queremos em nós. Sei que a totalidade de mim, por exemplo, inclui psicopatologias, perspectivas distorcidas, vícios, lutas, ativismos, críticas e tantas outras características que eu preferi acolher para decidir se faz parte ou se simplesmente surgiu após anos de caminhada. Tem características na gente que parece aquele cachorro de rua que nos segue durante determinado lugar do percurso, mas, depois de um tempo, simplesmente desaparece - já reparou, já se percebeu? Também existem características e adjetivos que colocam na gente, sempre procurando nos responsabilizar utilizando a subversão da lógica de responsabilidade para apontar e nomear aquilo que unilateralmente fica compreendido como culpa. O olhar do outro para aquilo que somos é regado por vieses, então, retomando a palavra responsabilidade, nos cabe cuidarmos de nós com afinco e com compromisso, pois é um potencial muito comum que exista a subversão da responsabilidade em culpa. E vale lembrar - aprendi recentemente - que devemos prestar atenção em algumas ações afirmativas¹.


Gosto de falar de mim, me usar como exemplo, pois eu mudei tanto e fui documentando essas mudanças. Já fui a pessoa que se considerava plena dentro daquilo que considerava meu. Não posso ser injusto com o que senti no passado, pois a gente já sabe que transformar é algo inerente ao nosso querer. Já fui aquele que desacreditou que era possível mudar. Quando eu não aceitava a ajuda para transformar, eu negava a possibilidade de transmutação. Hoje, felizmente, sei olhar para mim diferente de quando eu ainda estava aprendendo. Rigidez. Fui bastante rígido comigo. Óbvio que algumas coisas a gente replica daquilo que nossos pais nos deixaram como legado emocional e comportamental. Mas, voltando ao princípio da minha autoanalise, fui descobrindo inúmeras coisas sozinho e modulando com as ferramentas que eu tinha. Só que é difícil fazer certas coisas sozinho. Enquanto eu me analisava, não tinha a habilidade de me defender daquilo e daqueles que estavam do lado de fora - ainda estou tentando diariamente me defender. Mas a ajuda chegou - quase que no último momento.

Sou triste (link) e ainda também estou aprendendo a aceitar isso. Hoje a minha tristeza constante foi nomeada para "humor rebaixado". Essa é uma característica minha. E existem tantas outras características de mim que se misturaram com sintomas. Teve o momento em que eu perdi o controle. E foi no momento do descontrole que perdi afetos, lembranças, expectativas e por aí vai. Eu chego nesse ponto do texto para falar de culpa. Existe quem me culpe. Existe quem culpe o que sou na minha totalidade. E hoje eu aceito ser culpabilizado e permito que me apontem como considerarem adequado dentro de suas próprias perspectivas, entretanto, apontar culpa não constrói, não viabiliza qualquer ação ou possibilidade de diálogo - minha perspectiva. Em 2020 escrevi:

"[...]Não faço guerra com quem guerreia contra o que sou e não devolvo mais os bombardeios que tentam me desestabilizar. Eu construí um reinado, um império, e foi difícil nutrir a autoestima para que eu me sentisse rei da minha história, da minha caminhada, dos meus capítulos, dos meus dizeres, dos meus sentimentos e da minha vida. Pode/m problematizar o que sou, me tratar como algo ruim, me fazer sentir péssimo, mas não é possível me tomar o trono..."


Não sou uma pessoa digesta - isso é apontado por aqueles que estão na cronológica da minha vida tempo o suficiente para problematizar o que sou. Vou ser bastante sincero, a imagem que usam para me definir é baseada nos meus posicionamentos, nas minhas qualidades (transformadas em algo negativo), na minha clara e objetiva maneira de me comunicar e me posicionar, no meu timbre e tom de voz, na minha altura, cor de pele e por aí vai. A gente que está na periferia ou nos grupos marginalizados sabe reconhecer rejeição, hostilidade e outras metodologias de perseguição e exclusão explicitas ou veladas. 

Continuo...

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Relatório Final do Grupo de Trabalho Interministerial para a elaboração do AÇÕES AFIRMATIVAS - https://www.gov.br/igualdaderacial/pt-br/assuntos/acoes-afirmativas/RelatorioPFAAFinal.pdf

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