EU SOU TRISTE

By Tiago Ferreira - 30.5.23

Rainer Maria Rilke - "Cartas a um jovem poeta" - Tradução de Paulo Rónai/Cecília Meireles. Edição 14° Editora Globo.


A alegria é uma potencialidade da vida. É o sentimento que serve de combustível para que muitos consigam prosseguir. Alguns dizem por aí que estão constantemente com ela, tendo sorrisos estampando seus rostos. Para além da minha percepção sobre esse sentimento, concluo a alegria como uma mentira necessária. É uma fantasia bastante importante para que as pessoas consigam justificar suas existências. Não me coloco no contexto. Não prevejo a alegria como integrante dos meus objetivos de vida. Aliás, tenho uma percepção bastante crítica a respeito. Problematizar esse sentimento, pelo menos no momento atual, me faz tirar dos ombros o peso de ter que caracterizar algo transitório que permanece no local de fomento viável para alavancar o percurso da vida.

Eu tenho tentado me perceber ainda mais dentro dos espaços que preencho e tenho tido como objetivo a atenção aos sentimentos que permeiam a minha existência. De certa forma, considerando uma análise cronológica bem ampla, sei de todos os sentimentos que carrego. Tenho as emoções que defino como parte da reatividade que apresento ao meio, aos contextos e aos cenários que estou inserido, assim como tenho os sentimentos que adotei como certezas para aquele balanço de final de dia. Eu costumo revisar meu dia quando estou sozinho. Costumo acreditar que reconstituir meus passos me auxilia a desenvolver um certo cuidado com tudo aquilo que permito me alcançar. Parece que estou sempre atento e vigilante, mas não costumo recorrer constantemente ao passado para elucidar o que me ocorre hoje. Gosto de pensar no que sinto como certezas construídas diante daquilo que vivi, tanto que tenho os meus sentimentos de estimação. Estimo a certeza por considerar que o meu local de segurança se baseia naquilo que já conheço, naquilo que tenho intimidade, naquilo que reconheci como confortável e naquilo que simplesmente encontrou em mim espaço para ser constante. 

Me defino como uma pessoa de humor rebaixado. Escrevo sobre isso como se me entendesse por completo e fosse o maior exemplo de esclarecimento no mundo. Parece loucura, mas tenho a noção plena de que não sou o maior exemplo de otimismo, não sou a pessoa mais sonhadora do mundo e não carrego sequer uma unidade de esperança. Depois de um tempo dentro desse cercadinho melancólico - que construí para me sentir seguro - passei a avaliar aquilo que cabia em mim e pertencesse ao mundo que fui moldando para me acolher e, como esperado, a alegria não foi bem avaliada. Sei que já citei aqui que tenho noção sobre os sentimentos transitórios e sobre como a alegria foi tomada como uma potencialidade por muitos, mas repudio a esperança que permeia esse sentimento. É claro que eu poderia discorrer sobre uma dúzia de histórias tristes que me fizeram afastar a alegria como um objetivo, uma meta, um prêmio ou uma grande vitória, mas prefiro resumir em uma única frase: a vida é triste.

Que certeza questionável essa frase carrega: a vida é triste. Não precisei de um grande teórico, não precisei de um método, não precisei de opiniões e não precisei buscar uma referência bibliográfica para saber que a vida se resume a uma coleção gigantesca de tristezas. Hoje isso não me assusta e nem considero evitar discutir sobre o assunto. Estar triste é uma realidade. Sei o quanto isso soa como algo mórbido, podendo até ser taxado como tóxico, mas me faz bem explicitar aquilo que determinei como a minha verdade. Eu valido o espaço da alegria na minha vida, mas não coleciono momentos felizes. Tenho espaço para ser alegre, mas não tenho o objetivo de ser. Sei como é importante estar contente, sei o quanto é relevante e revigorante se sentir feliz, mas a alegria não é algo que cultivo. Na transitoriedade do sentir, eu prefiro validar e apegar aquilo que me apresentou constância. De fato, sou uma pessoa muito racional, tanto que me considero bem resolutivo e bastante articulado para gerenciar os acontecimentos que me rodeiam. Sei que talvez pareço frio, pareço apático, pareço alheio e pareço interessado somente em mim (o que não deixa de ser uma verdade em determinados momentos), mas estou atento para conseguir acolher a alegria como uma emoção. 

Quando uso essa certeza para determinar a vida parece que estou automaticamente excluindo da minha história tudo aquilo que me fez sorrir. Parece que estou rejeitando instantaneamente o amor depositado, a confiança depositada, a importância atribuída e todos os sentimentos que me vinculam a todes que compõem a minha existência. A vida é transição, é movimento, é acontecimento diário, é história escrita por várias mãos e viabiliza a eternização do momento. Eu queria que fosse possível me sentir feliz o tempo todo por lembrar que sou amado, ou que a confiança depositada em mim me fizesse romper com minhas certezas, assim como seria interessante me ver sempre feliz por saber isolar os sentimentos bons que me são lançados por todes aqueles que estão vinculades a mim. Minha história não é escrita pela narrativa da alegria, mas garanto que não está enviesada pela tristeza. Quem me conhece sabe que levei tempo o bastante para conseguir me perceber dentro da minha própria história. Aqui nesse espaço já conversamos sobre algo que que possui duas faces: a responsabilidade afetiva. A responsabilidade afetiva é aquela que parte de mim para todes que estão comigo e parte de mim para mim. Sou grato, sou amado e amo, confio e sou confidente, mas sou uma pessoa com individualidade. Uma história isolada foi escrita, uma história com marcadores únicos, com características únicas e com preâmbulos únicos. Fui e sou feliz na presença da existência de outres, mas existe a tristeza como certeza ao terminar o dia.

Não quero jamais ser taxado como inconveniente por ser quem sou. Não espero ser rechaçado e não gostaria de ser evitado. Não tenho o objetivo de ser palatável, mas também não gostaria de ser indigesto. Gosto de ter certezas, mesmo não tendo escrito ainda sobre o desconforto em portar a lucidez das minhas crenças. Considero importante valorizar a minha história. Estive com o olhar em diversos pontos de vistas, mas o que me faz permanecer onde estou é a segurança que encontrei naquilo que me acolheu quando o dia findou.

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