TRAQUEJO SOCIAL

By Tiago Ferreira - 3.5.23


É incrível como somos capazes de nos adaptarmos ao meio - e vejo isso como uma habilidade humana básica. A adaptação viabiliza o preenchimento de espaços, a construção de vínculos e a possibilidade de novas experiências. Mas, como todo ser humano analítico, questiono se a habilidade de adaptação compõe o ser humano ou é empurrada garganta abaixo. Não se trata da narrativa enviesada por sentimentos e/ou memórias felizes ou tristes. Trata-se de um questionamento quase existencial sobre a necessidade de pertencimento que sempre se esbarrará na possibilidade de rejeição.

Hoje determino parâmetros específicos para que a habilidade de rejeitar seja tomada como ferramenta principal de pertencimento: a necessidade de sobreviver e a necessidade de ser aceito. Durante algum tempo deixei de me preocupar com a possibilidade de ser rejeitado, tendo como principal expectativa a rejeição. A minha mente passou a considerar a rejeição como a principal referencia da minha existência em espaços, sendo esta uma certeza desenvolvida por anos de caminhada. Não digo isso por ter uma "personalidade forte", por ser uma pessoa politicamente posicionada ou por simplesmente me considerar elevado demais para as convenções que estive inserido. Sei que tudo que citei pode influenciar, mas ainda não acredito na adaptação como ferramenta genuinamente importante para a minha existência.

Existem maneiras específicas de se rejeitar pessoas, situações e lugares. Cada um o fara de acordo com suas crenças, valores, medos, receios e até mesmo objetivos pessoais. Mas existe uma maneira específica que considero a mais perversa de todas: a rejeição pautada no objetivo de arrancar da pessoa o direito que ela tem de apenas existir. As pessoas são capazes de fazerem isso consciente ou inconscientemente. Tudo dependerá do objetivo a ser alcançado. Hoje consigo perceber que o olhar de importância precisa ser direcionado ao rejeitado: ele jamais ocupará aquele lugar. Quando se rejeita a humanidade do outro, não existe mais espaço para semear e, por decorrência, não existirão frutos. Quando se exige a adaptação do outro para que ele caiba nos espaços tomadas como meios de sobrevivência, pedacinhos são arrancados até que não sobre mais nada.

Nós temos o direito de cultivarmos critérios para que sejamos capazes de ponderar sobre situações, locais e pessoas que não poderão ultrapassar algumas barreiras impostas, mas jamais teremos o direito de fazer com que o outro se sinta rejeitado dentro da sua própria existência. Somente outro ser humano possui o poder de destituir outro ser humano do seu local de humanidade. Os recursos para isso são os diversos - e já cheguei a citar alguns deles por aqui. O gingado social, o traquejo social, as habilidades sociais e as dinâmicas sociais não garantem a absorção plena de nossas características nos meios que precisamos estar. Eu poderia descrever o longo caminho que trilhei dentro da perspectiva que disserto nesse texto. Poderia falar que exaustivamente questionei minha humanidade para estar seguro em ambientes e para manter um vínculo frágil de respeito por outras pessoas.

Sei que ao me ler ou ao me ouvir você pode pensar: "então cada um de nós precisaremos construir nosso próprio local de segurança para que nos tornemos fortes diante da rejeição". Quando penso na dificuldade de manejar limites que eu preciso estabelecer para me manter minimamente humano, também penso a respeito dos meus locais de segurança. Sei que não existe apenas uma única possibilidade de construir segurança, assim como sei que a rejeição sempre vai incomodar. Só que a afirmativa que abre este parágrafo me apresenta uma falha que me enoja: quem deu ao outro o direito de rejeitar a minha humanidade? Não sei a resposta. Também não tenho certeza se realmente quero saber a resposta. Sei que me adaptei inúmeras vezes para ser absorvido. Me reinventei inúmeras outras vezes para conseguir ser respeitado. Trilhei caminhos suficientes para conseguir encher a boca e dizer: eu tive traquejo social, mas nunca compreendi a maldade do outro.

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