A GENTE SE ACOLHE, MAS NÃO ENCOLHE

By Tiago Ferreira - 31.5.23

Rainer Maria Rilke - "Cartas a um jovem poeta" - Tradução de Paulo Rónai/Cecília Meireles. Edição 14° Editora Globo.

Quando nos vemos capazes de perceber que se sentir bem tornou-se algo distante, levantamos alguns tópicos de questionamentos importantes para o nosso próprio acolhimento. Ser acolhido ou passar despercebido? Responder que está tudo bem ou dizer claramente que não está tudo bem? Se isolar ou criar uma persona para reagir ao que acontece ao redor? São questionamentos importantes, mas quase sempre perdemos a habilidade de ponderar. É claro que ninguém com o mínimo de bom senso espera que tenhamos respostas claras quando o não estar bem se instala de mala e cuia, porém o acolhimento sempre se mostra como uma potência importante para remediar certas características. Agora, dentro daquilo que buscamos em momentos de insatisfação, de insegurança, de medo, de estagnação, de tristeza ou de meandros, não existe espaço para questionarmos o sentir. A forma mais genuína de acolhimento começa por nós. A gente se acolhe, mas não se encolhe.

Um aprendizado importante que a vida me entregou ao decorrer dos anos é: esteja preparado para acolher suas próprias demandas. Mais uma vez corro o risco de parecer uma personagem bem resolvida com suas próprias questões, mas, pelo menos na atualidade, explicitar minhas ferramentas e percepções diante da vida me torna capaz de articular minhas próprias necessidades. A aceitação é uma expectativa que sempre estará atrelada ao medo de ser rejeitado. Sempre buscamos entregar aquilo que tomamos como palatável, aceitável, tolerável e socialmente aceito. Está imposto de maneira velada que se não performarmos sentimentos de vitrine seremos ignorados. Essa percepção não é uma mentira, então voltamos para os questionamentos do início. O meio ao qual estamos inseridos deve ser percebido como reativo diante das nossas demandas, assim como somos percebidos por ele como potenciais de reação. Responder uma pergunta que tenta deixar entendido que alguém se importa com você sempre será uma possibilidade a ser decidida de acordo com suas próprias considerações. Responder, de maneira geral, implica o uso das nossas percepções. Demonstrar como o sentir se caracteriza em nossos trejeitos é uma realidade que está para além do nosso exclusivo controle. Escrevendo esse texto percebo como falo sobre o ser humano, mas também encontro nessas palavras a descrição da ausência de humanidade.

Quem vai acolher? A família, o profissional da psicologia, a professora especialista, os colegas da escola ou da universidade, a arte, a leitura ou o isolamento? Não tenho uma resposta definitiva para isso, entretanto preciso voltar a mencionar o acolhimento próprio. Não me condeno por ter esperado acolhimento da professora especialista, assim como não me sinto mais tão abalado pela inabilidade de acolhimento do profissional da psicologia. O fato de eu ter usado as minhas expectativas para procurar conforto ou esperar algum tipo de articulação de outrem - e ter encontrado frustração nesse processo todo - me faz ponderar a respeito das minhas necessidades e a retomar o conceito de responsabilidade. Sou responsável por mim, mas a minha responsabilidade não é exclusivamente minha. Um acolhimento importante que aprendi - e vou tentar escrever da maneira menos agressiva possível - é o fato de que as pessoas vão estender as mãos até certo ponto, mas irão soltar as mãos quando ninguém estiver olhando. Muitas vezes outrem vai até falar e/ou fazer algo para acreditar que fez o que esteve ao seu alcance. Também poderemos encontrar aqueles que pretenderão performar alguma personagem, mas logo se enxergarão cansados ou desinteressados. A vida é constante movimento, então se ver acolhido pelo outro é uma potencialidade que pode atropelar as nossas necessidades. A responsabilidade em acolher precisa ser percebida por todes, mas a habilidade de acolhimento também parte do interesse em ser capaz de acolher. 

Não quero pregar aqui sobre como precisamos ser independentes, pois não existe o eu sem o nós. Mas precisamos reafirmar a humanidade que aprendemos a ignorar. Temos que trazer para a superfície aquilo que nos faz únicos. Precisamos treinar dia após dia que ser humano não é uma escolha, mas é uma causa de vida. Hoje sou capaz de me perceber, de me ouvir, de me ver, de me acolher na minha dimensão, na grandeza da minha existência única. Hoje sei que aquilo que sinto é inquestionável e que não preciso pular etapas, evitar palavras, retardar confrontos, engolir minhas certezas ou fingir que sou ou sinto algo que não é verdade. Sei tudo isso, mas ainda sou abalado pelas expectativas. Já acreditei que pudesse eu ter o direito de questionar aquilo que outrem é capaz de me entregar. Já acreditei que era meu papel pontuar o fracasso do outro ao acolher. Já imaginei que minha reatividade fosse ser capaz de alterar o tratamento que outrem é capaz de entregar diante das demandas do outro. Essas certezas ainda me assombram, porém tenho outras certezas que também me ocorrem - e uma delas é a seguinte: só permanece, só me alcança, só me toca e só fica em mim aquilo que é de mim. 

Se coloque no lugar mais incrível do mundo, mesmo que o lugar mais incrível do mundo hoje não seja tão incrível quanto deveria ser, e lembre-se que em alguns momentos é melhor não existir uma professora especialista. Você não precisa se curar hoje, assim como o se sentir bem não pode ser agendado para amanhã às 14:00.

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