DETERMINANTES DE SAÚDE E DOENÇA

By Tiago Ferreira - 1.3.24


Talvez você esteja fazendo terapia, já se consultou com o médico, já identificou o que te adoece e o que desperta em você os sintomas do seu adoecer. Talvez você já tenha escutado que precisa desenvolver estratégias para se manter distante daquilo que te engatilha, que você precisa fazer atividades físicas e explorar novos repertórios em diversas áreas da sua vida, da sua história, do seu caminhar. Talvez você esteja tomando seus remédios de maneira adequada, esteja atentamente observando se eles estão fazendo efeito, se estão influenciando sua vida e suas ações de alguma forma. Talvez você já esteja na fase da terapia em que descobriu que a maior parte da problemática não está em você, não foi você quem causou e/ou procurou e que seu local no mundo não deveria ser questionado em momento algum da sua vida.

Não, não é um texto feliz, assim como não é um texto triste. Podemos ver o primeiro parágrafo e imaginar alguém que verdadeiramente está se cuidando, alguém que está de fato buscando caminhos para percorrer junto da estabilização, do compreender e do modificar. Podemos encarar o primeiro parágrafo como uma história que poderá ter um final satisfatoriamente bem sucedido, mas o primeiro parágrafo exclui a história, percebe? Conceituar o tratamento e/ou idealizar o percurso de alguém que precisa buscar ajuda - e que precisa restabelecer parâmetros aceitáveis de saúde - é vislumbrar a história, e isso inclui o histórico. Quando falarmos de saúde a partir de agora colocaremos didaticamente nas nossas linhas todo o cenário de políticas públicas de saúde, de assistência social e de articulação para que um indivíduo consigo estar assistido por uma rede de cuidados. Também iremos lembrar da classe social, do cenário cultural, das relações de gênero, das questões de raça e etnia, dos meandros que permeiam as orientações sexuais e todos os marcadores que impactam a vida da possível personagem que percorre/u o caminhar do primeiro parágrafo.

Estabilizar. Palavra que determina uma série de acontecimentos e possui uma relação bem íntima com o sucesso de uma busca por saúde mental. Talvez eu esteja tentando ser bastante imparcial nesse texto, não querendo me expor e nem me colocar em alguma referência, mas já deixei escrito por aqui que sou uma das milhares de personagens da vida real que está buscando estabilização em um quadro de saúde/doença. Talvez eu deva retomar que sou um homem preto, periférico e lgbtqiApn+ e acadêmico da saúde para que eu consiga dizer que o caminho para a estabilização não é linear, e ela também dependerá de coisas que acontecem ao seu redor. Na saúde a gente usa o termo "determinante" para descrever aquilo que adoece ou que promove saúde. Então, sendo o mais transparente que eu consigo, sou uma das milhares de pessoas no país que está diretamente influenciada por determinantes de adoecimento psíquico - e ainda lido para aceitar e/ou compreender sem pirar 2x mais. Não, não me "escondo" atrás dos determinantes para "justificar" alguma coisa - se você pensa assim de mim ou de alguém, saia desse texto.

O que eu quero compartilhar, finalmente, é que o tratamento pode fracassar uma, duas, três e até quatro vezes. Você pode sentir que está andando em círculos ou que não se esforçou o bastante. Na verdade, sentir culpa por não acreditar que está dando certo ou por nitidamente estar dando errado é uma consequência cruel, mas esperada. Em algum momento alguém disse que precisávamos nos esforçar e "fazer nossa parte", em algum momento alguém, seja da equipe de profissionais ou não, colocou sobre alguém doente bastante responsabilidade e não esperou que isso pudesse ecoar de maneiras não terapêuticas. Em algum momento nosso corpo foi recortado da realidade que nos cerca e colocado na perspectiva terapêutica de quem não prestou atenção na história. Falo como uma pessoa que está às margens da sociedade para dizer que é necessário nomear aquilo que está ao nosso redor e responsabilizar tudo que nos adoece. Por agora, eu escolho permanecer analítico, por exemplo. Não estou no auge da estabilização e não acredito que os meus determinantes estão sendo devidamente encarados e responsabilizados. Estou condicionado na culpa, mas ciente de que meu corpo tem uma história.

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