
E eu também descobri que posso chorar e não ter medo de ser olhado ou considerado exaltado demais. Sempre li minhas humanidades como potenciais desequilíbrios que precisavam ser mantidos contidos. Ninguém espera que uma pessoa preta de quase dois metros de altura demonstre certas emoções, sentimentos, comportamentos ou qualquer outra coisa que alguém sem minhas características poderia mostrar. Ainda não estou livre de determinados estereótipos ou de reações desproporcionais ao meu tom de voz, por exemplo. É maluco pensar que eu evitava ser por ter medo das consequências do meu existir. Porém não posso e não consigo ser na totalidade, não consigo pela reatividade dos ambientes em que estou ou pelos olhares de desconfiança que sempre são lançados sobre mim. A gente fica ressabiado e recuperar a autoestima, a confiança e o posicionamento requer tempo - e o tempo decorre diferente para cada um de nós. Passar despercebido, não dizer o que penso, não me ponderar, não me defender e não agir para que minha dignidade permanecesse intacta - esse foi e sou eu. Eu sou gente como qualquer outra, mas foi recentemente que tive coragem para tomar esse lugar. Tem sido um processo solitário com pitadas de companhias transitórias de pessoas, de leituras, de músicas. Ainda aprendo sobre ser humano. Ainda tem que tente capturar de mim a humanidade, diariamente, inclusive.
Não use esse tom de voz. Não diga a verdade.Não seja sincero.
De onde eu venho? Do local de onde eu não deveria sair. Vou evitar conceituar a minha realidade social e vou expor a minha realidade emocional. Eu não fui educado para me sentir, me entender ou me compreender e, por consequência, também não fui educado para me acolher. Quando a gente não se acolhe, a gente se escolhe. Quando a gente não se acolhe, a gente não se defende. Quando a gente não se acolhe, não consegue transformar solidão em solitude. Quando a gente não se acolhe, dá voz ao outro sobre aquilo que somos. Quando a gente não se acolhe, não aprendemos a nos posicionar. De onde eu venho? Do local de onde eu primeiro precisei sobreviver para encontrar na sobrevivência - em tempo - a possibilidade de aprender aquilo que ninguém me ensinou. Foi terapia? Foi. Foi escrita? Foi. Foi escutando o outro? Foi. Foi tentando ser, tentando permanecer, tentando estar, tentando me expressar, tentando construir pontes, tentando estabelecer diálogos e foi apenas sendo eu, cru, sem viés, sem manipulação ou articulação. Foi me enchendo de adjetivos negativos? Foi. Foi me expondo sem necessidade? Foi.
Vai demorar e vai custar energia, mas eu e você iremos deixar claro para todos que a humanidade compreende tudo que somos. Também pode custar algumas coisas, mas você e eu vamos aprender a dizer "tchau". A gente vai aprender que não se volta atrás em algumas situações e que não é possível desfazer aquilo que foi feito, dito ou lançado sobre nós e de nós para o outro.
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