ESTOU DIANTE DO ESPELHO

By Tiago Ferreira - 4.11.18

Como eu nunca pude ser passageiro? Sequer tive a chance de ser apenas uma lembrança ou parte de algo memoravelmente bom. Agora que entendo que jamais poderei ser a recordação saudosa, questiono quem me tirou o direito de ser passageiro...

Eu fui como uma bomba relógio, acumulado de dores e receios. Sempre fui descaracterizado pela minha falta de coragem e aprendi a conviver com a expectativa alheia de que um dia eu seria exposto aos meus pecados. Eu fui fugitivo da verdade, evitei me encarar diante do espelho. Fui pássaro trancafiado, sonho frustrado e prisioneiro das minhas próprias frustrações. O que mais fui? Não sou eu que decido, que defino, que concluo a formação da minha trajetória. São os olhares que jamais me deixaram fugir dos meus próprios pecados que formam a visão que vejo diante do espelho. Como é pesado o fardo que me foi atribuído pelo rancor. É realmente dolorido carregar tanta raiva, tanta mágoa e tanta acusação.

Eu fui apenas o garoto que se procurava no meio das visões deturpadas que tentavam ditar a minha existência. Fui a vitima do egoísmo ou a pessoa que negligenciou sua própria coragem? Nunca encontrei as respostas que busquei e muito menos acredito que busquei alguma resposta. Agora - diante das consequências do tempo - decido entrar em um acordo com o passado, com o presente e com o futuro: não quero mais permanecer nas lembranças daqueles que ainda condenam os meus passos. Não posso mais ser o reflexo da culpa diante do espelho. Não quero mais vestir a roupa da frustração alheia que viu no meu pecado a oportunidade de se canonizar santo. Eu fui vitima, como também fui vilão, mas ninguém detém o direito de me fazer acreditar que meus erros não foram resguardados pela tentativa desesperada de viver a vida.

Eu cheguei em um acordo e sei que é possível viver sem ser penalizado pelo o horror de cada ser humano mesquinho que passou pelo meu caminho. Desde que descobri o poder das minhas batalhas, passei a trabalhar no sentido contrário ao que se esperava daquele que provocou tanta dor. Não posso ser a simplicidade que esperavam e jamais poderei ser amado pelo o que fui. Se não é possível me considerar humano diante dos meus pecados, não quero ser lembrado. Se não é possível me ver como ser humano diante dos meus fracassos, não quero mais que tentem me amar. Não preciso da piedade, não preciso ser piada, não preciso ser lembrança e nem quero ser amado. Se olhar para mim causa raiva em quem me olhou, quero ser invisível. Não quero que me vejam, não quero que me leiam, não quero que me falem, não quero que falem de mim e não quero que tentem me aceitar. Sou o fruto perfeito do caos. Ando de mãos dadas com a derrota. Sou a cria do inferno astral. Sou ser amado pela chance de recomeço e desisto de ser aceito pelo santo canonizado.

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