VAIDADE, EGOÍSMO E A REDE DE OPRESSÃO

By Tiago Ferreira - 13.6.22


Pretendo discorrer esse texto - depois de um longo período ausente do Limoções - trazendo marcadores sociais importantes para a minha vida, evidenciando como as minhas causas e lutas me proporcionam situações duras e confrontos cotidianos, além da criticidade necessária para permanecer lúcido e seguro. Quando se trata da discussão entorno do egoísmo e vaidade não é possível desprender as características raciais e as estruturas racistas constituídas ao decorrer da história na estruturação de um sistema de vantagens que torna viável o conforto de alguns em rejeitar e/ou ignorar a existência, as queixas e os meandros de outros. Dentro das possibilidades que construí para a minha narrativa não existe espaço para o crescer desenfreado do ego de pessoas brancas - e isso se aplica dentro das minhas relações afetivas e interpessoais. Hoje me vejo trancafiado dentro de um lugar solitário que tem como característica específica as tentativas diárias de exclusão, invisibilidade e silenciamento. Cultivei 25 anos da minha vida para conseguir falar, andar, sorrir, questionar e conquistar sem me ver invalidado ou questionado, ao contrário de pessoas brancas que sempre tiveram todas as possibilidades de viver tudo isso naturalmente antes de mim.

Preciso isolar um acontecimento em especifico para conseguir explicitar o quanto estou farto. Como homem, preto, periférico e lgbtqiA+ sempre tive o sentir como uma ferramenta inviável de sobrevivência - pelo menos meus avós acreditavam nisso, então passaram essa ideia a diante. Como pessoa preta afastada da sua consciência e da sua memória, levei tempo para perceber determinadas estruturas. Hoje, com muito orgulho e resistência, sou capaz de sentir, de escrever sobre o sentir, de produzir com base no sentir e de falar sobre o sentir sem permitir que o que sinto seja oprimido, invalidado ou questionado. Sou capaz de sentir orgulho e de conversar sobre meus meandros, assim como sou capaz de ponderar sobre o respeito que me pertence, sobre os espaços que ocupo e sobre as tratativas diárias da opressão. Uma amiga branca tentou me invalidar, tentou me silenciar e descaracterizar o meu direito de ser o locutor do meu próprio sentir e tentou me tirar a possibilidade de analisar, questionar e ponderar sobre o afeto que me é entregue. Esse é outro trecho importante da história: pessoas brancas não erram, pessoas brancas podem decidir se erraram e podem invalidar e/ou questionar a dor do outro. Como confrontar? Apontando o racismo, apontando a estrutura racista e não deixando que o sentir seja manipulado. (FALAREMOS MAIS SOBRE ISSO EM OUTRO TEXTO)

Outro acontecimento que trago isoladamente é a minha presença no meio acadêmico. Dentro dos espaços que me coloquei, sou o estudante politicamente posicionado, socialmente posicionado e que busca as narrativas contidas na decolonialidade para a construção de ambientes seguros para todes. Conceituando, mais uma vez, minha presença nos lugares que historicamente foram tirados de pessoas como eu: homem, preto, lgbtqiA+, periférico, bolsista e participativo, tenho o maior orgulho de ocupar a cadeira de uma sala de aula de uma instituição de ensino superior, mesmo lembrando que isso nunca esteve muito bem definido dentro das minhas perspectivas e possibilidades de vida, então tive - e tenho - que fazer um corre da porra para estar onde estou. Recentemente, de maneira sistemática, fria e completamente articulada, tive a minha presença em sala de aula questionada, tendo sido o motivo para o surgimento de um levante de um grupo de colegas brancos que se incomodaram com a minha presença, com a minha participação, com os meus questionamentos e com a minha relação com os docentes que estiveram na grade curricular durante esse semestre. Tudo começou quando - de maneira gentil e sem rodeios - levantei minha mão para lembrar a uma docente que a África é um continente com 54 países, e não apenas um país.

Talvez esse texto pareça mais um desabafo, mas eu gostaria que fosse encarado como um manifesto. Eu gostaria de estar no lugar que me deixaram - aquele em que me colocam na cela solitária - sem que buscassem maneiras de me retirar dos espaços que são meus, sem tentar silenciar os sentimentos e percepções que eu tenho o direito de formular. Gostaria que meus melindres recebem pedidos de desculpas sinceros, que deixassem de ironizar a minha incrível habilidade de ponderar sem tremer e me abalar e que me deixassem livre para falar sem incomodar. Eu não tenho o privilégio do lacre e o GreenCard da pele branca blindando a minha vida de problemas e sentires que somente a minha pele, meu cabelo, minha orientação sexual e meu posicionamento definem. Hoje, de maneira fácil e sem qualquer meandro, sou capaz de formular que uma identidade branca é um passaporte para silenciar e que essa característica conduz ao vínculo, ao fortalecimento de laços e à criação de grupos de identificação. É com base no racismo que o egoísmo e a vaidade encontram forças para ainda questionar aqueles que já estão sentenciados pela história.

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