Perdão. Quero começar essa resenha falando sobre tudo que rodeia a palavra perdão. Durante anos atribuí inúmeros significados ao ato de perdoar e o principal deles era o esquecimento. Aos poucos fui descobrindo que eu não portava solitariamente essa perspectiva. O rancor, ou seja lá como você chama aquilo que te deixa ressentido, nos confunde, nos desorienta e faz com que o tempo de resolução de uma coisa seja prolongado. Quanto mais tempo se decorre para a ação de perdoar ser perpetrada, mas sentimentos questionáveis prolongam o caminho até o ensejo do perdoar. E foi recentemente que consegui perceber e aprender mais sobre outra face do perdão - o autoperdão. Agora, se perdoar outrem já uma tarefa complicada, imagina se perdoar.
SINOPSE
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Stefano Volp. 225 páginas. Galera Record. 2023. |
O que é um lar? O que é uma família? Onde está descrita a conceituação de pertencimento no mundo real? Sem perder a naturalidade, as questões transversais dos marcadores sociais também cerceiam a narrativa em "nunca vi a chuva". Podemos ver marcadores como consciência de classe, capacitismo, questões raciais, debate rápido sobre o submundo das drogas e suas consequências, as fragilidades de um sistema de saúde e outros debates levemente inseridos na obra. A capa e a contracapa nos trazem uma informação importante sobre o trabalho: se trata de dois irmãos. Não preciso mencionar que os dois estão em realidades diferentes e possuem condições físicas distintas, apesar de parecem iguais na arte da capa.
A gente costuma a relacionar o ver com a capacidade dos nossos olhos, juntamente com nosso cérebro, de processar aquilo que vemos. Através da visualização nos tornamos capazes de interpretar e até mesmo de atribuir valor. A visão também pode ser atrelada ao processo de interpretação de faces, de leituras e imagens, viabilizando uma diversidade de sentires. Em "nunca vi a chuva" a gente vai aprender que enxergar pelos olhos não é a única forma de visualizar. Lucas, nosso protagonista adolescente, ainda vivi os desafios de regular o que sente, apesar de já ter definido em seu inconsciente - e demonstrado em ações - que o amor perpassa qualquer característica física em seu irmão Rafael. Com início numa curiosidade complexa sobre o irmão, o narrador e escritor das cartas, descumpre regras e traça mentiras importantes para assim começar a trazer para o consciente os verdadeiros significados de suas ações. Stefano deixou claro nas informações sobre a obra que se trata de dois irmãos, então eu posso dizer que as cartas nos apresentam dois mundos distintos, duas famílias distintas e um enredo que tem por característica parecer ter sido escrito realmente por um adolescente.
Quando juntos, os irmãos passam a se conectar de maneiras diferentes, mas sempre considerando os limites e fragilidades um do outro. O que me chama a atenção na obra é que juntos começam a tomar decisões. Raramente contrariados por seus responsáveis (que até certo ponto não envolviam os familiares de Lucas), as decisões tomadas são quase que o fôlego que a obra precisa para se tornar singular. Então, com bastante expectativa, o trabalho tem vários momentos de ápices. Volp abre e fecha histórias secundárias e características de personagens secundários com muita facilidade. Na verdade, todos os personagens apresentados são a história dos dois irmãos. Família e ressignificação de algumas coisas que pareciam verdade - mas não eram - também marcam a história. Lucas tem a tarefa de mergulhar no mundo do irmão Rafael. Eu poderia dizer que esse tipo de desenrolar, em que um personagem TEM que mergulhar no mundo do outro, nesse caso, seria um tipo de reparação, ainda mais se considerarmos todos os marcadores transversais que se aplicam quando a história chega ao Brasil.
Por fim, recomendo a leitura, assim como recomendo a valorização da nossa literatura contemporânea e preta. Essa resenha poderia ter ido além, mas, sinceramente, eu teria te contado toda a história.
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