PERSONALIDADE

By Tiago Ferreira - 11.9.23

Pode ter o corte de cabelo retrô, as tatuagens mais descoladas e um pingente de ouro. Pode ter o carro do ano, o modelo de óculos mais caro e pode ser a referência mais fidedigna do padrão de beleza. Pode ser o mais descolado, a mais popular e sustentar todos esses marcadores infantojuvenis com muito orgulho e coragem. Ao final do dia o que sobre é aquela mistura de personalidade normativa e o vazio existencial. Se não é possível caber, não existe razões para ser.

Os pares se identificam por questões minuciosas. Um jeito diferente de segurar a caneta, uma maneira espalhafatosa de se expressar ou uma simples naturalidade em questionar. Os pares se identificam em polos e não sei dizer se existe um meio-termo. O fato é que, geralmente, aqueles que seguram a caneta de uma maneira não normativa permanecerão às margens. A personalidade visual, aquelas características modeladas para ocasiões, para pessoas e para períodos, findam em tempo determinado. A personalidade que é invisível aos olhos está sempre se alimentando daquilo que considera importante para simplesmente ser. O verdadeiro flui, sendo ou não bem quisto, bem visto ou aceito incondicionalmente. 

Penso na autenticidade daquilo que somos por verificar em mim traços que não pertencem aos normativos - e aqui não falo apenas sobre marcadores de raça e orientação sexual. Eu sou o cara das perguntas, o cara que sabe as respostas, o cara que fica entediado facilmente, o cara que tem a maior dificuldade em permanecer quieto, o cara que não sabe descansar e que tem uma dificuldade imensa em se relacionar. Eu não sou normativo, mas não tentei ser, pelo menos não fisicamente. Quando me fizeram entender que meu corpo estava em desajuste com os parâmetros de convivência, iniciei o abandono pelo físico, pelo visual, pelo palatável. O resultado da rejeição coletiva das minhas características físicas foi a rejeição subjetiva das minhas próprias características. O coletivo me implantou uma doença: a rejeição.

Agora, depois de redesenhar brevemente a minha monstruosidade, vejo uma personalidade inabalável. Personalidade remete ao distinto, diz sobre aquilo que é singular. Encontrar nossos pares não significa que encontraremos nossos gêmeos, mas estaremos acolhidos pelo singular e protegidos pela singularidade. É louco pensar que existe a possibilidade de estar singular, de se ver como singular. Não falo sobre o simples fato de se olhar no espelho, mas da possibilidade de sentir a singularidade em cada pedaço da nosso existência. Você e eu temos uma personalidade. Somos singular.


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