punição¹
substantivo feminino
1.qualquer forma de castigo que se impõe a alguém, ger. uma criança, por falta cometida."p. demasiado severa não educa"
2.pena determinada por um juiz a quem cometeu um crime."o juiz pode determinar como p. sentenças alternativas"
3.figuradoalgo penoso ou desagradável que alguém é obrigado a suportar."ir às compras é uma p. para ele"
Começo esse texto com a definição da palavra que, pelo menos atualmente, performa como prática cotidiana na minha vida, nas linhas da minha história. Não é de hoje que esbarro com a punição na possibilidade de suas três definições. Desde criança - e vou descrever essa criança nas próximas linhas -, recebo apontamentos de reprovação e de "correção". Esquisito e diferente - palavras que podem até parecer sinônimos. A criança que me recordo, que está nítida na minha lembrança, foi o oposto da criança "planejada" e, supostamente, "desejada". Teoricamente, eu deveria performar aquilo que estava imposto ao meu gênero. Deveria me familiarizar com aquilo que era comum entre os meninos. Infelizmente, não me recordo de soltar pipa, de jogar fubeca, de ter uma coleção de cartas, de assistir Pokémon, de jogar futebol, futsal, vôlei ou qualquer outro esporte ou ocupação disponível e terrivelmente definida como masculina.
Hoje, pelo menos ainda exploramos em terapia, buscamos fortalecer a minha lembrança subvertendo aquilo que ficou na minha memória como traumático. Punição. Quando você não se encaixa, não performa, não corresponde às expectativas, não sobra nada além da punição. Falo abertamente, pois a criança que fui viveu e conviveu em espaços disfuncionais, com adultos disfuncionais e com práticas baseadas em letramento religioso, em vergonha social, em incapacidades de acolhimento, em práticas de demonização daquilo que fugia do controle ou se apresentava fora daquilo que estava pré-estabelecido. Nesse momento, eu poderia citar protagonistas desse inferno em que estive e vivi, mas deixo que você - leitor - identifique os responsáveis.

Uma criança calma. Na maior parte do tempo, calada. Uma criança seletiva. Uma seletividade que se caracterizava na escolha dos seus pares, nas brincadeiras e na maneira de se observar o ambiente em que estava inserida. Apesar de estar presa na disfunção do entorno, a minha criança combatia a absorção daquilo que já era identificado como opressor e limitante, usando recursos como os questionamentos persistentes. Eu era uma pedra no sapato dos adultos que estavam ao meu redor, pois questionar e exigir respostas é uma característica que ouço nos relatos daqueles que me assistiram. Tímido. Como existiam regras severas, a timidez, por vezes transformada em medo, limitava vontades e ceifava oportunidades. Quando o vizinho, um senhor idoso, me convidou a aprender a tear, não tive a chance de escolher. A partir daquele momento, daquela proibição, começou a definição de atividades masculinas e femininas - o inferno na minha história. Uma criança referência em aprender, cria de escola pública, diplomada como melhor, escolhida para participar de eventos com autoridades da cidade de origem. Uma criança obrigatoriamente temente ao que se definiu como Deus: "você obedece, você se comporta, você seja bom, você seja homem e Deus estará com você".
Enquanto criança, me recordo de seguir algumas das regras por obediência e outras vezes por medo. O medo não constrói, ele pode servir de proteção e até mesmo para reflexão, mas o medo não constrói. E quando o medo se relaciona ao desenvolvimento de personalidade, características emocionais e afetivas, ele culmina na disfunção. Minha criança não reproduziu o que viveu. Minha criança experimentou as consequências daquele viver.
"A criança que me recordo, que está nítida na minha lembrança, foi o oposto da criança "planejada" e, supostamente, "desejada"."

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