EDUCAÇÃO: NÃO ESTAMOS MAIS FALANDO SOBRE EDUCAR

By Tiago Ferreira - 16.10.25

Vamos nos situar, nomear lugares e seguir esse parágrafo. Qualificação é a palavra que vou usar para definir a minha passagem pela a educação. Devidamente qualificado, referencia, profissionalmente capaz, carregado de atributos e perícia sobre os assuntos que me cabem e/ou me couberam. E na condição de aptidão e competência, me escorei para exercer o que me cabia: transmitir, partilhar e construir. Obviamente, de maneira jamais inquestionável, ser qualificado nunca será uma condicional sobre certificados e/ou diplomas. Cada um de nós está qualificado, possui seus atributos, suas competências - cada um no seu devido lugar, com seu domínio. Entretanto, para a formalização de ocupação de alguns espaços, a alforria será obrigatória. Alforria é um diploma, um certificado e uma chance de ser e de existir para muitos de nós.

E podemos seguir na linha de qualidade. Todos temos qualidade? As qualidades são iguais? As qualidades permanecem isoladas? Não, não são. Qualificar para ser qualificado. Se pensarmos numa educação que constrói, vamos encontrar uma grande lacuna e teremos que questionar a palavra qualificação. Não podemos e - eu não farei - retirar a definição de qualificação da condicional de qualidade, pois valido a qualificação e também valido os processos necessários de verificação da qualidade. Entretanto, quando estamos avaliando o ser humano, o profissional, os desafetos, o gênero, as características inatas e tantas outras coisas que deturpam o processo avaliativo - aquele processo que busca validar sua qualificação por meio da avaliação da qualidade. A esta altura estamos discorrendo sobre qualificação profissional, desconectada da partilha, presa em processos unilaterais de avaliação de desempenho e que destituem potencias. Vamos, de maneira bem radical, trazer para o texto o que considero a palavra apropriada para a educação: replicar. Quando a qualificação - ou o qualificado - entende que ser e/ou estar na educação, torna-se indissociável o ato de replicar.

Quero que essa reflexão seja feita de maneira bem técnica, sendo propositalmente afastada de qualquer possibilidade de recursos poéticos ou vieses emocionais. Falar de educação nesse momento, considerando a bagagem que carrego e os aprendizados que foram apreendidos, falo com toda convicção que já não estamos mais falando sobre educar. Estamos falando de um espaço reaça que foi afundado no conceito de "linha produção", visando a entrega compulsória de resultados, indicadores, números e tantas outras cobranças que fazem o educar - ou o educador - replicar repressão, angustia, depreciação e suspeição. Iniciamos falando sobre qualificação, permeamos o meu conceito de alforria com o diploma/certificado como objeto de validação, mas agora podemos falar sobre como os senhores de engenho da educação, a classe dominante, manipula, maltrata, encurte terror e adentra campos de qualificação que não são de sua autonomia profissional.

"igualdade, liberdade, democracia e qualidade"

(LDB – Lei nº 9.394/1996)

Percebe-se que o estudante, o ser iluminado no processo de educar, não ocupa mais o lugar de sujeito central dos princípios doutrinários da educação. Não posso ser unilateral nessa afirmativa, pois existem profissionais qualificados que ainda tentam exercer a humanidade dentro dos ambientes escolares. A gente fala de qualidade e qualificação nesse texto, pois a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei nº 9.394/1996) especifica esses princípios. Entretanto, mesmo sendo didática e clara, o que chega na escola, no espaço escolar que tem na sua entranha a participação social, é praticamente o oposto. A LDB qualifica e humaniza a educação no Brasil, mas onde está a humanidade?

Estudantes desconhecem os princípios, não são apresentados ao processo de estruturação, não reconhecem - na maioria dos casos - o seu papel nos processos de igualde e democráticos. Nas salas dos professores das unidades escolares em que estive, nos espaços destinados aos profissionais qualificados, a insatisfação toma espaço e, quando não direcionada ao que importa, vitimiza o principal ator do processo de ensino: o ser humano estudante. Não é algo difícil de se ouvir e ver - e estou falando do levante profissional contra adolescentes e jovens que são sistematicamente silenciados, rechaçados, desqualificados e subalternizados. A máquina precisa funcionar e não pode esmagar os profissionais qualificados, então o alvo se torna a fragmentação dos processos éticos e humanos, expondo crianças, jovens e adolescentes ao descredito, ao aprendizado robotizado e afastado do diálogo. 

Se esse local de entrega de resultados culmina na opressão dos profissionais e no medo de perder cargos, serem transferidos de unidade ou serem demitidos/exonerados, a luta deveria ser para a reversão de políticas opressoras. No entanto, a política cumpre seu papel tornando o oprimido o mais cruel opressor. Nesse ponto, inevitavelmente, já não falamos mais sobre educação.

“É necessário que os oprimidos, em sua luta pela libertação, não se tornem, por sua vez, opressores, mas restauradores da humanidade em ambos.”
Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido

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